sábado, 8 de setembro de 2012

O MERCANTILISMO ALEMÃO

(Infografia publicada pelo Financial Times no dia 6 de Setembro de 2012, ao longo da cobertura em LIVE BLOG da reunião do BCE)

A expressão não é minha, é do meu colega e amigo José Cerqueira da Universidade Agostinho Neto (Universidade de Angola), mas corresponde como uma luva a algumas das reflexões produzidas neste blogue.
Há, de facto, uma perspetiva relativamente enraizada na política económica externa alemã de encarar a balança comercial ou mesmo a de transações correntes segundo uma visão mercantilista. O patrono deste blogue, Albert O. Hirschman, estudou há largo tempo a evolução do comércio externo alemão no período que levou à ascensão e implantação do nazismo (creio que o assunto já mereceu reflexão minha neste espaço) e detetou nesse processo uma política minuciosa de bisturi para organizar as relações comerciais como instrumento de poder de economias vizinhas. O mecanismo é conhecido e consiste na construção paulatina de relações de poder, dependência e subjugação, facilitadoras da posterior negociação diplomática mais dura e, no caso vertente, do posterior assalto a esses países.
Mas porquê uma visão mercantilista e porquê a sua invocação nos tempos modernos?
Uma perspetiva mercantilista das relações comerciais externas traduz-se na procura incessante de excedentes comerciais permanentes face aos nossos parceiros comerciais. Ora, numa união económica e monetária como a zona euro, essa situação de reedição mercantilista é incompatível com o equilíbrio dessa zona. Os excedentes comerciais não podem ser permanentes e não devem transformar-se numa opção obsessiva. Devem alternar com períodos de défice externo ou, pelo menos, de redução significativas dos excedentes gerados.
O novo surto de mercantilismo alemão tem dois elementos subjacentes que o favoreceram:
  • Primeiro, a entrada para a zona euro com uma paridade monetária que penalizou fortemente as economias de menor nível de desenvolvimento económico e a impossibilidade lógica destas últimas poderem desvalorizar nominalmente essa paridade;
  •  Segundo, a sua recusa sistemática nos tempos mais recentes em reflacionar a sua economia com o argumento do medo também obsessivo dos riscos hiperinflacionários, quando as evidências não apontam nessa direção e os riscos inflacionários estão hoje concentrados em fatores que não têm nada que ver com políticas de relançamento da procura (preço do petróleo e preço dos alimentos).
Esta reedição de mercantilismo larvar teve naturalmente um primeiro efeito que foi o dos movimentos de capital financiadores dos défices acumulados nas economias externamente deficitárias. O capital alemão inundou obviamente esses países, alimentando o processo que, hoje, os mesmos alemães afirmam corresponder a um período de vivência acima das posses. O que não deixa de ser irónico, cínico mesmo.
Hoje, porém, estamos numa segunda fase. Assistimos à contração do financiamento bancário alemão em países como a Portugal, Espanha, Irlanda, Itália e Grécia. Segundo o Financial Times, apoiado em dados do Bank of International Settlements (BIS), entre o 1º trimestre de 2008 e o de 2012, os bancos alemães terão reduzido a sua exposição nestes mercados resgatados ou em vias disso em montantes que são uma pipa de massa (em milhares de milhões de euros e % face à exposição existente): 
  •  Irlanda: - 81, 7 (-53,3%);
  • Espanha: - 103,8 (-49,3%);
  • Portugal: - 13 (-38,5%);
  • Grécia: - 25,3 (-84%);
  • Itália: - 78,8 (-43,4%).
Baralhando e tornando a dar, tivemos a seguinte sequência:
  • Acumulação de excedentes comerciais sobre estas economias;
  • Financiamento corrente para viabilizar tais excedentes permanentes;
  • Dificuldades nestas economias, indeterminação consequente e redução da exposição com a chamada retirada de capital.
O que resta? Inviabilizada a desvalorização cambial, resta a via punitiva, ou seja forte desvalorização nominal interna, empobrecimento. Numa união económica e monetária como a zona euro, as obsessões mercantilistas dos mais fortes acabam por traduzir-se em punições presumidamente redentoras dos que alimentaram tais excedentes.
No fundo do problema, o euro vai nu: como já aqui referi a partir de um artigo do já hoje aqui citado amigo Professor José Cerqueira, o euro português e espanhol afinal não são bem iguais ao alemão.

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