sexta-feira, 21 de setembro de 2012

UM REI EM PERDA E UM PAÍS NOS LIMITES



Escrevo ainda antes de haver fumo branco do Conselho de Estado, mas a minha intuição é que, a haver fumo, ele será cinzento ou simplesmente incolor. Gostaria de ser mosca para perceber se os conselheiros passarão de papagaios de voz crítica a vozes domesticadas e politicamente corretas, sem coragem para, olhos nos olhos, confirmar o que têm dito seja nas suas plataformas de comentadores ou em simples respostas a interpelações jornalísticas.
Nestas condições, a minha atenção volta-se para Espanha, laboratório futuro por excelência do que vão ser as relações governo central – governos regionais em tempos de crise e esse é um tema que me interessa vivamente.
Na última semana e não por acaso emergiram em Espanha dois factos que mantêm entre si algum nexo – o ressurgimento parcial do rei Juan Carlos e a tensão de um país nos limites com o esticar da corda nas relações Madrid-Barcelona (políticas e não futebolísticas, entenda-se).
Nos últimos tempos, é conhecido que o monarca de 74 anos desbaratou num ápice uma parte considerável do reconhecimento que lhe era devido pelo seu papel na transição democrática e sobretudo na rejeição do golpe militar de 1981. A sua viagem ao Botswana, para além do exotismo dissonante em época de todos os sacrifícios para os espanhóis, surgiu aos olhos de muita gente como uma reinvenção para os tempos modernos do “direito de pernada” de monarca infiel às suas responsabilidades conjugais. O seu pedido público de desculpas ao povo espanhol terá sustido a degradação da imagem mas alguns percalços que se lhe seguiram (quedas, por exemplo) tornaram-se factos simbólicos dos dias difíceis da monarquia espanhola. Os escândalos financeiros de Iñaki Urdangarín, Duque de Maiorca e marido da Infanta Cristina acentuaram a trajetória descendente, levando recentemente os “marketers” da família real a apostar na imagem de Letizia para suster mais danos.
Ora, esta semana, o monarca tentou regressar ao seu papel de concertador, procurando assumir-se como defensor último da unidade do Estado espanhol e da Nação, mostrando-se obstinadamente crítico do surto de independentismo que grassa pela Catalunha, adotando a web como via de comunicação.
Há, de facto, algum nexo de causalidade entre este ressurgimento do monarca e a situação de um país nos limites, sobretudo devido à incapacidade do governo de Rajoy em gerir a tensão catalã. Esta incapacidade tem uma razão simples: não se trata apenas de defender a unidade da Nação e do Estado; transparece dessa defesa a ideia de “vendetta” centralista contra os compromissos da transição política. Por isso, o monarca pretende ocupar esse lugar, mas acho que chega tarde.
Hoje, no El País, Felipe Gonzaléz afirma que “à medida que mais envelheço menos nacionalista me sinto”, defendendo claramente que a melhor estrutura para o Estado espanhol é a federal, vista como a única solução capaz simultaneamente de assegurar a coesão e o reconhecimento da divergência determinada por razões objetivas como a língua.
Ideias lúcidas para uma situação complexa.

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