domingo, 9 de setembro de 2012

PAULO SEPARA BEM O TRIGO DO JOIO



Entre as inúmeras reações que se sucederam à proclamação do primeiro-Ministro não vi ainda ninguém com alguma capacidade de pensamento a apoiar a decisão entretanto assumida. Com exceção de “apparatchicks” comprometidos com a maioria e mesmo estes (sobretudo os afetos ao CDS-PP) não muito convencidos a proclamar o seu apoio, a tónica geral é de rejeição e perplexidade por mais esta demonstração de fazer política em cima do joelho e de obsessão doentia pela trapalhada exposta com o aparentemente maior sentido de Estado.
Paulo Trigo Pereira é um dos nossos melhores analistas orçamentais e fiscais, cronista do Público, a quem devemos leituras consistentes da trajetória orçamental do país após o resgate financeiro. Pois desta vez, Trigo Pereira identifica bem o joio da trapalhada em que, segundo ele, a decisão governamental vai provocar.
O argumento de Trigo Pereira é muito contundente e tem a meu ver três pontos fundamentais que evidenciam bem o desnorte da governação atual:
  • Primeiro, mais do que medidas descontextualizadas, o que um cidadão responsável esperaria seria uma análise objetiva da trajetória de consolidação orçamental, sobretudo para avaliar da utilidade dos sacrifícios a que tem sido sujeito; o que teve foi o contrário disso, o que é suspeito, conhecidos que são os riscos de derrapagem orçamental;
  • Segundo, o primeiro-Ministro e o Governo padecem de uma miopia doutrinária que arrepia qualquer um com um mínimo de literacia económica: ignoram em absoluto a relevância do défice de procura na agudização do desemprego; não haverá ninguém com dois palmos de testa que reconheça como viável que, neste contexto de indeterminação e de baixa de mercado, a descida das contribuições para a segurança social irá aumentar o emprego;
  • Terceiro e do ponto de vista fiscal a ideia mais importante, Trigo Pereira arrasa a opção pelo aumento da carga para os trabalhadores em contribuições para a segurança social em detrimento de uma maior progressividade do IRS: “(…) IRS, o imposto que por excelência implementa (sem evasão fiscal) a equidade horizontal e vertical”. Equidade que a proporcionalidade das contribuições para a segurança social distorce em absoluto.
Todos estes argumentos merecem o meu total apoio. A sua não consideração evidencia uma governação que rabisca soluções no joelho. Se os juízes do Tribunal Constitucional forem coerentes, cheira-me que os “apparatchicks” da maioria vão recuperar o argumento das forças de bloqueio.
Ah! O Público de hoje ilustra os casos diversificados de exceções salariais que alguns Institutos, TAP, Caixa Geral de Depósitos, CTT, Ana e outros que tais conseguiram fazer aprovar. Dir-me-ão que são “amendoins”, alguns milhões de euros que deixam de ser aforrados. São amendoins mas são altamente simbólicos.
E a pergunta inevitável é a seguinte? Mas por que razão a despesa pública é tão incompressível? Alguma é-o seguramente sobretudo enquanto permanecer o agravamento das condições sociais. Mas parte dessa incompressibilidade chama-se simplesmente capacidade de autojustificação a partir da própria despesa, inércia, interesses estabelecidos, clientelas que é necessário remunerar bem. Uma simples avaliação por resultados faria cair por terra tanta prosápia e importância.

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