O mal está feito e os danos não são colaterais, são mesmo
centrais. As intervenções de Passos Coelho e de Vítor Gaspar encarregaram-se de
quebrar amarrações com vários segmentos da sociedade portuguesa. Cabe-lhes
agora quantificar os prejuízos, como fazem diligentemente as populações depois
de um tornado ou de uma simples partida dos elementos naturais.
Hoje, vários membros do Governo (Defesa, Justiça,
Administração Interna, Economia) que tão escondidos andavam e aos quais não se
via uma ideia que fosse, afinal por não terem nada que apresentar, emergiram
como papagaios, mas tardiamente, mais às turras com o PS do que em defesa firme
e esclarecida do Governo. Muito dificilmente alguém os levará a sério. Na opinião
pública e sobretudo na comunicação social a ideia central é a dos ratinhos e
ratões a abandonar o barco. O efémero da governação deve estar a deixar
destroçada uma boa parte dos que ocuparam cargos de poder, diretamente a partir
das concelhias e distritais.
Entre os vários prejuízos a quantificar, há um que vale a
pena destacar, pois mandar às malvas os resultados da concertação social em
torno da legislação laboral não lembraria ao diabo feito gente. Mas lembrou. Lá
bem no meio de uma das mais infelizes participações de António Lobo Xavier no
Quadratura do Círculo de ontem, ficou bem claro que mandar às malvas a
concertação social é talvez o exemplo mais gritante de incompetência de gestão
do tempo político. E o argumento de Passos Coelho de que governar não é fazer a
vontade à opinião pública soa a falso, pois o problema não é esse, o problema é
a incompetência política de quebrar amarras com a sociedade em temas tão sólidos
como o da concertação social. Não consegui ainda descortinar alguém que se
tenha identificado com a redistribuição direta e sem anestesia de rendimento a
partir da manipulação da taxa social única. Bagão Félix (quem diria!) tocou no
ponto certo: quebrou-se o vínculo social da relação nobre e inquestionável
entre uma contribuição e um benefício, transformando a taxa social única num
imposto, tudo isto à revelia e com profundo desrespeito pela concertação
social.
O estilo de liderança política comum ao protótipo Passos
Coelho, que poderemos caracterizar como a chegada ao poder da geração dos Jotas,
ilustra bem o tipo de sensibilidades que estão a ser formadas nessas máquinas,
posteriormente enobrecidas por licenciaturas obtidas sabe-se lá em que condições.
O discurso parece formalmente agarrar os temas. Mas lá no fundo, o que temos são
colagens, máquinas falantes, de discurso fácil, com uma incompleta
insensibilidade ao que é uma negociação política, à compreensão do sentir mais
profundo da população. Sabemos que José Pacheco Pereira tem esta gente como
inimiga de estimação. Mas a sua caracterização da impreparação e incoerência
desta geração é uma obra-prima de perspicácia, realismo e contundência.
Nos próximos dias, a contagem dos prejuízos vai
continuar. Mas haverá alguém disposto a pagar o custo da reconstrução? Senadores
tão propensos à condescendência com este Governo, como António Barreto, apelam
pateticamente à reconstrução a todo o preço. Será a impreparação de que falávamos
tão gritante a ponto de tudo isto ser uma surpresa para os seus mentores? O
cruzamento de uma cultura jota (Passos Coelho) com a frieza da socialização
pelos centros de estudos do BCE, onde se vive entre parâmetros de modelos mais
ou menos sofisticados (Vítor Gaspar), está a produzir uma verdadeira aberração
política, que está a desabar.
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