José Ignacio Torreblanca, professor de ciência política,
escreve hoje no El País que há duas maneiras de nos colocarmos perante a crise
atual: uma que é racional e é baseada na autocrítica e outra, irracional, que
apela à autoflagelação.
Aplicando esta dicotomia à situação política portuguesa e
ao plano inclinado da governação, diria que tem predominado a perspetiva da
autoflagelação. O que não me deixa de intrigar, pois, aparentemente, no Governo
há mais homens de avental do que adeptos do cilício autopunitivo. Mas, a partir
do momento em que o governo atual, submisso e reverente, assumiu a postura do
aluno disciplinado e internalizou a via punitiva, tudo se passa como se cada
governante queira encucar em cada português a ideia do cilício quotidiano que
nos há de conduzir à via redentora dos 3% de défice público.
Só esta perspetiva punitiva de um cilício em cada medida
pode explicar a impreparação e a perspetiva castigadora da TSU.
Ora, saudavelmente, a maioria dos portugueses rejeitou
internalizar essa ideia de culpa, com os cambiantes mais curiosos.
Que os trabalhadores a tenham rejeitado, sobretudo porque
a medida é injusta, desigual, iníqua e quebra o nexo que deve existir entre uma
contribuição e um benefício, revela antes de mais a sábia perceção popular da
injustiça.
Mas “la grande bagarre” veio dos lados do patronato, no
qual temos rejeição para todos os gostos, o que bem revela a total impreparação
que esteve subjacente a esta descoberta, que ainda estou para perceber de que
centro de “irracionalidade” veio: do próprio Passos Coelho e da sua envolvente
mais próxima? Vítor Gaspar? Do pequenino mas sabidola Moedas? Mistério!
A Associação Empresarial de Portugal deu uma no cravo, outra na ferradura, TSU sim ou talvez, desejavelmente apenas nos transacionáveis
e com neutralização dos efeitos sobre o rendimento disponível dos
trabalhadores.
A CIP, aparentemente devolve a medida ao governo,
queixando-se compreensivelmente do ataque implícito à concertação social, demonstrando
maior sensibilidade do que o governo na compreensão do processo de aproximação
anteriormente concretizado e agora enviado às malvas com a maior das arrogâncias.
Por sua vez, no resiliente setor do calçado, diretamentede Milão, os industriais criticam ferozmente a decisão do Governo e prometem
contrariar o descontentamento dos seus funcionários.
Como pode depreender-se destes exemplos, a tudo isto
chama-se incapacidade total de perceber o contexto futuro de uma medida, total irresponsabilidade
na sua preparação.
E, para terminar, uma equipa de investigadores
economistas da Universidade do Minho teve hoje o seu momento mediático de glória,
que deve compensar a perda dos dois subsídios e outras sobretaxas, demonstrando
hoje através de trabalho dirigido para o efeito que, afinal, a TSU destruiria
mais emprego do que criaria, sobretudo por via do efeito sobre o rendimento
disponível. Já ontem o economista italiano radicado em Portugal que realizou o
primeiro trabalho sobre o tema se tinha demarcado também da medida.
Claro que com toda esta desorientação alguém haveria de
vir a terreiro lembrar o instrumento da autoflagelação, recordando que apesar
da recessão a via punitiva não pode ser abrandada. Obviamente a senhora Merkel,
alertando o seu aluno que o tempo não está para aliviar a pena.
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