terça-feira, 18 de setembro de 2012

A LEI DOS INTERESSES


Talvez pela sua aparente inocência, passaram por cá quase despercebidas umas declarações de Angela Merkel por ocasião da sua visita à China em finais de Agosto. A história, tal como se desenrolou até ao presente, conta-se em poucas palavras: em julho, uma empresa alemã da área das energias renováveis (Solar World) despoletou junto da Comissão Europeia uma queixa de alegado dumping no mercado europeu por parte de produtores chineses de painéis solares; o flamengo Karel De Gucht, comissário do Comércio tido por defensor de um endurecimento em relação a práticas comerciais desleais (designadamente da China), desencadeou a análise do processo nos termos da lei europeia da concorrência; as autoridades chinesas manifestaram o seu desagrado com tal atuação e o primeiro-ministro Wen Jiabao terá mesmo apelado aos bons ofícios de Merkel; esta não se fez rogada e logo veio declarar-se contra um recurso europeu a qualquer ação punitiva e defender o “diálogo”, afirmando que “seria melhor se pudéssemos encontrar uma solução através de negociações”.
 
 
Os factos são elucidativos a vários títulos. Primeiro, porque estávamos a dias de uma mais que provável decisão de abertura pela Comissão de uma investigação formal sobre a matéria que poderia/poderá vir a saldar-se pela imposição de tarifas punitivas sobre os produtos chineses. Depois, porque a energia solar é uma componente setorial importante do plano quinquenal em curso na China e Beijing não tardou a fazer constar que não lhe faltaria por onde retaliar (designadamente lançando um inquérito às exportações europeias de polissilício, a principal matéria-prima para a fabricação de células fotovoltaicas). Em seguida, porque aquela mesma queixosa companhia alemã já lograra, em Maio, que as autoridades americanas deliberassem uma imposição preliminar de tarifas anti-dumping muito significativas (superiores a 31%) sobre os painéis solares provenientes da China. Finalmente, porque o incidente caiu em cima de uma visita encarada como crucial pelos alemães, cada vez mais focados nesta “special relationship” como elemento essencial da sua reorientação estratégica para fora da Europa – atente-se na crescente importância assumida pelo mercado chinês para as suas exportações (triplicadas nos últimos seis anos) e no volume e dimensão dos negócios em perspetiva (18 acordos assinados, envolvendo muitos milhares de milhões de euros, com especial incidência nas indústrias aeroespacial e automóvel e incluindo uma aquisição de 50 aviões Airbus no valor de 3,5 mil milhões de dólares).
 
 
É simples a moral a retirar desta pequena história: ela tem a ver com a incorrigível Europa em que vivemos, uma Europa cada vez mais visivelmente resignada/dividida perante a perda dos produtores e o ganho dos importadores, uma Europa cujos mais diligentes responsáveis em funções se veem diretamente desautorizados pelo desafio ostensivo de lideranças nacionais egoístas, uma Europa cujo “acquis” (na situação vertente, um possível “anti-dumping case”) tende ou não a prevalecer consoante os interesses em jogo dos países dominantes.
 
Veremos os próximos desenvolvimentos, mas nada indica que em breve não nos deparemos, mais uma vez, com uma União Europeia que, diferentemente dos EUA, nem se respeita nem se dá ao respeito…

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