Talvez pela sua aparente
inocência, passaram por cá quase despercebidas umas declarações de Angela
Merkel por ocasião da sua visita à China em finais de Agosto. A história, tal
como se desenrolou até ao presente, conta-se em poucas palavras: em julho, uma
empresa alemã da área das energias renováveis (Solar World) despoletou junto da
Comissão Europeia uma queixa de alegado dumping no mercado europeu por parte de
produtores chineses de painéis solares; o flamengo Karel De Gucht, comissário
do Comércio tido por defensor de um endurecimento em relação a práticas comerciais
desleais (designadamente da China), desencadeou a análise do processo nos
termos da lei europeia da concorrência; as autoridades chinesas manifestaram o
seu desagrado com tal atuação e o primeiro-ministro Wen Jiabao terá mesmo apelado
aos bons ofícios de Merkel; esta não se fez rogada e logo veio declarar-se
contra um recurso europeu a qualquer ação punitiva e defender o “diálogo”,
afirmando que “seria melhor se pudéssemos encontrar uma solução através de
negociações”.
Os factos são
elucidativos a vários títulos. Primeiro, porque estávamos a dias de uma mais
que provável decisão de abertura pela Comissão de uma investigação formal sobre
a matéria que poderia/poderá vir a saldar-se pela imposição de tarifas
punitivas sobre os produtos chineses. Depois, porque a energia solar é uma
componente setorial importante do plano quinquenal em curso na China e Beijing
não tardou a fazer constar que não lhe faltaria por onde retaliar (designadamente
lançando um inquérito às exportações europeias de polissilício, a principal
matéria-prima para a fabricação de células fotovoltaicas). Em seguida, porque aquela
mesma queixosa companhia alemã já lograra, em Maio, que as autoridades americanas
deliberassem uma imposição preliminar de tarifas anti-dumping muito
significativas (superiores a 31%) sobre os painéis solares provenientes da
China. Finalmente, porque o incidente caiu em cima de uma visita encarada como
crucial pelos alemães, cada vez mais focados nesta “special relationship” como elemento
essencial da sua reorientação estratégica para fora da Europa – atente-se na
crescente importância assumida pelo mercado chinês para as suas exportações
(triplicadas nos últimos seis anos) e no volume e dimensão dos negócios em perspetiva
(18 acordos assinados, envolvendo muitos milhares de milhões de euros, com
especial incidência nas indústrias aeroespacial e automóvel e incluindo uma
aquisição de 50 aviões Airbus no valor de 3,5 mil milhões de dólares).
É simples a moral
a retirar desta pequena história: ela tem a ver com a incorrigível Europa em
que vivemos, uma Europa cada vez mais visivelmente resignada/dividida perante a
perda dos produtores e o ganho dos importadores, uma Europa cujos mais
diligentes responsáveis em funções se veem diretamente desautorizados pelo desafio
ostensivo de lideranças nacionais egoístas, uma Europa cujo “acquis” (na
situação vertente, um possível “anti-dumping case”) tende ou não a prevalecer
consoante os interesses em jogo dos países dominantes.
Veremos os
próximos desenvolvimentos, mas nada indica que em breve não nos deparemos, mais
uma vez, com uma União Europeia que, diferentemente dos EUA, nem se respeita
nem se dá ao respeito…
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