(Ao contrário do
que a notícia do Público faria crer, Merkel não arrasou propriamente Schultz no
debate de ontem, terá ganho o debate como era esperado, sobretudo devido à
posição favorável de que parte; por isso, Wolfgang Münchau tem razão quando se interroga sobre o aparente
sem sentido de estar tudo aparentemente em suspenso dos resultados das eleições
alemãs…)
O artigo de Teresa de
Sousa no Público de ontem, domingo (link aqui), é uma excelente peça de análise sobre a
personagem Merkel e sobretudo sobre a sua sagacidade na construção de um
posicionamento que torna praticamente inviável o assalto à sua condução da vida
política alemã e, em boa verdade, europeia. O artigo de Teresa de Sousa explica
também como a participação de Martin Schultz no debate de ontem estava
condenada a uma derrota honrosa e combativa, mas a uma derrota, entenda-se. A
senhora Merkel construiu uma sabedoria ímpar no que poderíamos chamar de
arrefecimento de contendores mais agressivos e dos temas de rotura sobre os
quais essa agressividade está montada. E de facto estamos perante uma arte
extremamente aperfeiçoada. A única hipótese viável dessa sabedoria se esgotar
aconteceria com processos que ninguém desejaria, como por exemplo uma ascensão
meteórica da extrema-direita alemã e do anti-europeísmo.
Schultz, para apresentar
uma real ameaça do SPD à liderança de Merkel, precisaria de ter à sua disposição
no Conselho Europeu e nas complexas negociações que se jogam na sua sombra uma
outra composição política. Precisaria, por exemplo, em França de tudo menos o
reformismo do tipo Macron, o qual como é sabido para desencravar a França de décadas
de imobilismo vai ter de realizar um equilíbrio de alto gabarito entre algum
combate à rigidez sindical francesa e o combate ao aproveitamento oportunista
dessa quebra de rigidez. Precisaria de um outro Renzi em Itália. É verdade que
tem António Costa e a geringonça em Portugal prontos a conceder-lhe apoio e
expectativas altas. Mas relativamente a Portugal, Merkel, ou antes Schäuble, já
encontraram a narrativa para amortecer qualquer sentimento de que alternativas
são possíveis que a experiência portuguesa possa suscitar. A narrativa é
colocar em Portugal o label de experiência de resgate e de austeridade bem-sucedida,
aliás já foi esse lamiré que a sempre em pé Moodys hoje concedeu.
Nestas condições, para
tentar impor-se, Schultz tem de correr riscos sérios, como o foi trazer ontem
para o debate o tema da Turquia, defendendo uma posição bem menos equilibrada
do que a própria Merkel.
Retomando o criticismo
de Münchau no Financial Times (link aqui), o caráter suspenso em torno das eleições alemãs
parece reduzir-se à questão de saber se o SPD alcançará um resultado que,
primeiro, permita obrigar Merkel a continuar com a coligação hoje existente e segundo
se o resultado é suficientemente importante para aspirar a um governo sem Schäuble.
É pouco, muito pouco
mesmo para a social-democracia europeia. E já agora, na melhor das hipóteses, o
governo sem Schäuble parece-me ter probabilidade mais baixa do que um governo
sem SPD.
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