segunda-feira, 4 de setembro de 2017

AS ELEIÇÕES ALEMÃS




(Ao contrário do que a notícia do Público faria crer, Merkel não arrasou propriamente Schultz no debate de ontem, terá ganho o debate como era esperado, sobretudo devido à posição favorável de que parte; por isso, Wolfgang Münchau tem razão quando se interroga sobre o aparente sem sentido de estar tudo aparentemente em suspenso dos resultados das eleições alemãs…)

O artigo de Teresa de Sousa no Público de ontem, domingo (link aqui), é uma excelente peça de análise sobre a personagem Merkel e sobretudo sobre a sua sagacidade na construção de um posicionamento que torna praticamente inviável o assalto à sua condução da vida política alemã e, em boa verdade, europeia. O artigo de Teresa de Sousa explica também como a participação de Martin Schultz no debate de ontem estava condenada a uma derrota honrosa e combativa, mas a uma derrota, entenda-se. A senhora Merkel construiu uma sabedoria ímpar no que poderíamos chamar de arrefecimento de contendores mais agressivos e dos temas de rotura sobre os quais essa agressividade está montada. E de facto estamos perante uma arte extremamente aperfeiçoada. A única hipótese viável dessa sabedoria se esgotar aconteceria com processos que ninguém desejaria, como por exemplo uma ascensão meteórica da extrema-direita alemã e do anti-europeísmo.

Schultz, para apresentar uma real ameaça do SPD à liderança de Merkel, precisaria de ter à sua disposição no Conselho Europeu e nas complexas negociações que se jogam na sua sombra uma outra composição política. Precisaria, por exemplo, em França de tudo menos o reformismo do tipo Macron, o qual como é sabido para desencravar a França de décadas de imobilismo vai ter de realizar um equilíbrio de alto gabarito entre algum combate à rigidez sindical francesa e o combate ao aproveitamento oportunista dessa quebra de rigidez. Precisaria de um outro Renzi em Itália. É verdade que tem António Costa e a geringonça em Portugal prontos a conceder-lhe apoio e expectativas altas. Mas relativamente a Portugal, Merkel, ou antes Schäuble, já encontraram a narrativa para amortecer qualquer sentimento de que alternativas são possíveis que a experiência portuguesa possa suscitar. A narrativa é colocar em Portugal o label de experiência de resgate e de austeridade bem-sucedida, aliás já foi esse lamiré que a sempre em pé Moodys hoje concedeu.

Nestas condições, para tentar impor-se, Schultz tem de correr riscos sérios, como o foi trazer ontem para o debate o tema da Turquia, defendendo uma posição bem menos equilibrada do que a própria Merkel.

Retomando o criticismo de Münchau no Financial Times (link aqui), o caráter suspenso em torno das eleições alemãs parece reduzir-se à questão de saber se o SPD alcançará um resultado que, primeiro, permita obrigar Merkel a continuar com a coligação hoje existente e segundo se o resultado é suficientemente importante para aspirar a um governo sem Schäuble.

É pouco, muito pouco mesmo para a social-democracia europeia. E já agora, na melhor das hipóteses, o governo sem Schäuble parece-me ter probabilidade mais baixa do que um governo sem SPD.

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