Sim, é algo de paradoxal.
As eleições autárquicas são seguramente o momento de mais intensa participação democrática
e movimentam massas significativas de cidadãos, não vou agora classificar os
motivos que conduzem a essa mais intensa participação. Mas não podemos ignorar
que uma grande parte dessa intensa participação é concretizada através dos
aparelhos partidários locais. Desde que assisti já há muitos anos ao desespero
de algumas pessoas e interesses locais que se gerou após a derrota de Fernando
Gomes no Porto para um então inesperado Rui Rio fiquei convencido de muita
coisa que não é propriamente indicador de uma democracia avançada. A presença
ainda relevante das forças partidárias nas eleições locais, com uma
impossibilidade real de estabelecimento de grandes diferenças entre projetos e
programas que se submetem ao sufrágio local, torna o ambiente repetitivo,
sensaborão e muito dependente de traços locais e de candidatos. Se já há alguma
dificuldade de projetar diferenças a nível nacional em alguns domínios de
intervenção pública, imaginem tais dificuldades no plano local. Para além
disso, o desenvolvimento local em termos de condições de vida, básicas e não só,
avançou e de que maneira, pelo que nesse contexto a probabilidade de surgirem
propostas algo mirabolantes e estratosféricas é muito elevada. Por exemplo, já
há muitos anos, o então candidato PSD António Taveira à Câmara do Porto falava
dos Jogos Olímpicos na Cidade. Pelo menos, por agora Álvaro Almeida é bem mais
timorato.
É claro que há o movimento
de independentes com candidaturas próprias e autónomas. É um facto. Mas a sua emergência
simultânea com a profusão de candidaturas que de independentes só têm o nome e que
são o resultado de lutas de velhas comadres, de promessas de favores pessoais não
cumpridas, de regressos à vida política provocados pela falta de adrenalina de
vidas que perderam o palco do dia-a-dia, de arranjinhos locais e de outras degenerescências
da vida local, retira-lhes força e expressão de mudança. Para além disso, não há
pensamento político novo que enquadre esses movimentos e é pena por que não
lhes falta intensidade participativa. Há dias, em assomo passadista, não resisti
a reler alguns textos produzidos no âmbito da Resultante, associação cívica-
tertúlia que mantive durante alguns anos com amigos próximos, alguns já
desaparecidos, Nuno Guedes de Oliveira, Nuno Grande, Rui Oliveira, Manuel
Miranda, Abílio Cardoso. E para meu espanto verifiquei que alguns daqueles textos
ainda marcariam a diferença hoje como suporte aos projetos políticos de algumas
forças independentes. Mau sinal. Sinal de que os projetos partidários têm
apagado pensamento independente.
Não esqueçamos ainda que
muitas das maleitas que desafiam o poder local decorrem de temas (envelhecimento,
declínio demográfico, fuga para as oportunidades de emprego) que não têm resposta
suficiente a nível local.
Por estas razões, as autárquicas
de 1 de outubro têm-se mostrado desinteressantes. Alguns pontos quentes que
podem ser antecipados não são mais do que isso, mas não trazem consigo qualquer
ideia nova em termos de desenvolvimento local. Alguns exemplos:
- Vai o PSD ser castigado a nível das grandes cidades?
- Vai o candidato Domingos Pereira em Barcelos, independente à força por colisão interna no PS, ameaçar o PS?
- Que dimensões vão ter as inenarráveis candidaturas independentes de António Parada e Narciso Miranda em Matosinhos? Será que apostam no domínio da Assembleia Municipal com o trágico-cómico Pedro Vinha da Costa do PSD nessa função?
- Que raio de cidade do século XXI pode ser Coimbra com as candidaturas de Manuel Machado (PS) e de Jaime Ramos (PSD) e sem que as candidaturas independentes tenham encontrado um candidato e um projeto comum?
- E os trânsfugas CDU, que também os há, irão ter alguma projeção eleitoral?
- Vai Manuel Pizarro no Porto conseguir vencer o fado do “tão amigos que nós éramos” e ver reconhecida a sua meritória ação no pelouro da habitação?
- E os restantes dinossauros? Vão ser remetidos definitivamente para o sofá lá de casa?
Outros exemplos pontuais
poderiam ser avançados. Pontos quentes mas sem acrescer nada de relevante aos
desafios do poder e do desenvolvimento local. Estou em crer que será das noites
eleitorais em que me vou deitar mais cedo.
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