(Algumas
reflexões antes do anacronismo de um dia de reflexão (para quê?) sobre o que os
resultados das autárquicas poderão significar, ninguém ainda se esqueceu da inesperada
metáfora do pântano de António Guterres, um dos mistérios da nossa história
política recente…)
Mantenho a minha ideia
já expressa em post anterior sobre o
assunto. Tematicamente, as eleições autárquicas foram desinteressantes e estão
a sê-lo cada vez mais, por razões que me dispenso de repetir. Isto não
significa qualquer menosprezo ou desconsideração pelo que elas representam em
termos de impulso cívico e participativo, como ontem Pacheco Pereira fazia
questão de recordar. Isso também não significa que, do ponto de vista da
articulação das autárquicas com a situação política global do país, à medida
que se caminhou para o 1 de outubro as coisas não tenham melhorado, ganhando
algum interesse adicional.
A primeira ideia é que o
PS teve, no contexto global em que as autárquicas se desenrolaram, condições
excelentes para sair da noite de 1 de outubro com um resultado agregado com
significado político global, embora não ignorando as particularidades destas
eleições. Será que estou convicto que isso vai acontecer? Não, não estou e até
posso avançar com algumas razões de fundamentação das minhas dúvidas.
Primeiro, em municípios
em que o presidente da CM se candidata e é proveniente de outra força política,
com um mandato irrepreensível, dinâmico e com vitória assegurada, o PS não
resistiu à tentação de aderir ao modelo de “carne para canhão”, avançando com
candidatos que como diria Marcelo não lembraria ao careca apresentar. O exemplo
que melhor representa esta tentação é o da eleição em Braga, em que o exercício
do PS com Ricardo Rio é de grande dinamismo. Não consigo sequer lembrar-me do
candidato do PS e da sua proposta eleitoral (Braga é uma das maiores cidades do
país) e tenho relatos de amigos que apontam para uma candidatura inenarrável em
termos de fragilidade. Portanto, o problema do PS em Braga não é perder, será
provavelmente não fixar eleitorado, anunciando uma longa hibernação, saudável para
os eleitores depois dos consulados de Mesquita Machado e das trapalhadas
judiciais do presidente seguinte. Poderia ser diferente? Podia, pois há
ocasiões em que se ganha perdendo, o que não vai ser o caso. Isso significará
que qualquer propósito de retorno à governação em Braga irá partir do zero numa
próxima eleição. Provavelmente, não houve ninguém com peso disposto a assumir o
peso de uma derrota.
Um segundo modelo é o de
presidências PS que se recandidatam mas em rendimentos decrescentes não pela usura
do tempo, mas mais pela usura das ideias e pela incapacidade de ser portador de
futuro. Por isso, do ponto de vista político, espero com alguma curiosidade os
resultados de Coimbra, onde se confrontam duas personalidades que já não são
portadoras de futuro, Manuel Machado e Jaime Soares, ameaçadas por três
candidaturas independentes, incapazes de se mobilizarem em torno de um projeto
comum. Coimbra no seu melhor, isto numa cidade em que existe um Instituto Pedro
Nunes meca do empreendedorismo de base tecnológica, mas onde também um lastro
de inércia se enraíza na cidade.
Por último, o PS não
resistiu em alguns municípios a cavalgar a dinâmica de independentes, verdadeiros
e falsos, relativamente aos quais é praticamente impossível descortinar um elo
de filiação com a orientação política do partido. Paradigmático desta opção é o
apoio ao filho de Vieira Carvalho na Maia, aproveitando o termo do mandato de
Bragança Fernandes. Noutros, como em Matosinhos, terá de se haver com
independentes ressabiados, como Narciso Miranda e António Parada (este último apoiado,
pasme-se, por Nuno Cardoso).
Por todos estes motivos
e seguramente mais alguns que escapam ao meu raio de conhecimento, o PS deverá
ganhar mas provavelmente poderá ficar abaixo do que poderia ser classificada
como uma vitória retumbante, aproveitando os ventos da conjuntura.
Nos últimos dias, as autárquicas
viraram para um olhar nacional e para isso muito contribui o putativo
(inventado essencialmente por jornalistas) banho eleitoral que alguns esperam
que o PSD de Passos Coelho possa experimentar. Tenho muitas dúvidas de que
possa acontecer o chamado banho global. É provável que, no voto urbano das
grandes cidades (com a exceção de Braga), sobretudo pela inépcia e desleixo na
escolha dos candidatos o PSD possa sofrer uma queda substancial de votos. Mas já
no que diz respeito ao PSD profundo, dos distritos interiores do norte e do
centro, entendo que a resiliência do partido vai fazer-se sentir, a não ser que
alguma situação mais escabrosa de incompetência municipal esteja visível. Mas
para mim a grande interrogação não é esta. Tenho dúvidas de que a mais que
certa perda de voto urbano nas grandes cidades signifique uma perda estrutural
e definitiva desse eleitorado. Se o PS interpretar assim os resultados penso
que irá arrepender-se. Os eleitores portugueses já nos habituaram a
comportamentos de grande seletividade e creio que isso acontecerá numas próximas
legislativas relativamente ao eleitorado do PSD.
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