terça-feira, 12 de setembro de 2017

O MINISTRO DILETANTE




(Nos dois domínios mais penalizadores da ação global do governo, incêndios e desaparecimento de material de guerra de Tancos, para além da complexidade dos temas e das fragilidades das estruturas administrativas, a prestação dos ministros responsáveis não pode ser ignorada. No caso do ministro da Defesa, corro o risco de ser injusto, mas é de diletantismo que devemos falar…)

Sou dos que penso que, face ao atual estado das coisas em matéria de fragilização do Estado e da sua máquina administrativa, a função e a responsabilidade dos Ministros deveriam ser reequacionadas. A forma leviana e apressada como diferentes governos foram desvalorizando as estruturas técnicas de planeamento e de estudo de suporte aos ministérios, substituindo-as na prática por grupos amovíveis de assessores de ministros e de secretários de Estado, haveria de fragilizar irremediavelmente a organização do Estado. Se juntarmos a esta tendência pesada as consequências dos cortes orçamentais sem qualquer estratégia de reorganização de suporte, vulgo cortes a eito e por parâmetros abstratos, podemos imaginar o pior a cada esquina ou a cada corredor da administração pública. Posso imaginar que, senão a totalidade dos que exercem a função ministerial, pelo menos os mais avisados, tem consciência destas limitações que pesam sobre a cadeia de comando político, quando decidem assumir funções de poder.

Por outro lado, o ministro da Defesa Dr. Azeredo Lopes oferece-me como universitário que conheci em algumas aproximações de trabalho à Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional do Porto a melhor das impressões. Sempre crítico, heterodoxo, mordaz por vezes, é alguém com quem a conversa é sempre estimulante. Por isso, tenho a consciência de que este meu comentário pode ser injusto, mas não posso deixar de o fazer.

Na sequência de outros aparecimentos públicos, a mais recente entrevista em que Azeredo Lopes volta a enrolar-se com a questão de Tancos e do agora pretenso roubo de material de guerra é, em meu entender, um mau serviço pedagógico a uma mais clara relação entre os cidadãos e a atividade ministerial. Diletantemente, como se estivesse numa reunião de brainstorming de ideias no meio académico ou em tertúlias especializadas, o ministro entregou-se à tarefa de cenarizar o que pode afinal ter acontecido em Tancos. Isto não em primeira mão mas, como é conhecido, depois das mais desconchavadas e descoordenadas explicações com que governo e representantes das estruturas militares nos brindaram nos dias imediatos ao acontecimento, ou melhor à comunicação do acontecimento. A nossa inteligência de cidadãos já tinha sido profundamente ferida naqueles dias, estupefactos com o modelo de guerra do “podia ó chamá-lo” do saudoso Solnado envolvido em questões de segurança de que depende a nossa vida em tempos tão incertos. Quando já tínhamos parcialmente recuperado de tal choque, eis que agora o Ministro nos brinda com alguns truques de cenarização, para nos dizer, se calhar nas suas mais profundas intenções, que manda pouco ou que o seu poder é simplesmente virtual. O puro diletantismo no exercício do poder corre sempre mal, é tão só uma questão de tempo.

Azeredo Lopes não é um académico virgem na política. A sua presença na campanha inicial de Rui Moreira é disso prova. A sua passagem pela Entidade Reguladora da Comunicação Social em tempos tão difíceis gerados pelas ambições de Sócrates é, por si só, um espaço de aprendizagem política e da dura. Por isso, perante jornalistas e sabendo que a instituição militar estaria de olhos e ouvidos bem atentos ao que naquela entrevista seria afirmado, o ministro optar pela postura diletante tem que se lhe diga. Será que Azeredo Lopes resolveu utilizar aquele momento para iniciar uma cruzada de reconsideração das funções e responsabilidades ministeriais, rebaixando expectativas?

Ser ou não militar não é seguramente critério para se encontrar um bom/mau ministro da Defesa. Já conhecer e interpretar bem a relação funcional com as chefias militares parece-me vital. Mas, diletantemente, confrontar a frio e de chofre os cidadãos com as fragilidades do exercício do poder é, neste período de incerteza e de angústias de cidadania, um mau serviço pedagógico à política.

E, bem pior do que isso, é dar a palavra na oposição a quem não tinha matéria relevante para abrir a boca.

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