(A progressiva degenerescência da situação política alemã, da qual as eleições recentes nas regiões da Turíngia e da Saxónia são apenas mais uma manifestação, vai ser, de facto já o é, um verdadeiro alfobre de matérias para reflexão política. Tal como o referi no meu penúltimo post, além da ameaça de termos a AfD vencedora numa eleição e segunda, a uma reduzida diferença, numa segunda, temos a evidência de que a leste o SPD e os Verdes não contam eleitoralmente. Dos parceiros de coligação, só a CDU, especialmente na Saxónia, deu prova de vida. Talvez, entretanto, tenha passado desapercebido que, em ambas as regiões do leste alemão, emergiu o partido de Sahra Wagenknecht com uma votação em torno dos 11% na Saxónia e dos 15% na Turíngia. A imprensa política tende a considerar este partido como um exemplo de populismo de esquerda, já que a política alemã é uma comunista dos quatro costados e tem-se notabilizado por à esquerda cavalgar agendas que são o prato forte do discurso da AfD. O El Mundo classifica-a curiosamente como um exemplo da “esquerda sensata” ou de “conservadorismo de esquerda e o Economist refere-se à nova estrela da política alemã nos mesmos termos. É crítica pela esquerda da imigração, mantém algum saudosismo face ao comunismo e em relação à União Soviética, assinou e coordenou uma petição contra o envio de armas para a Ucrânia. Quer isto significar que o mimetismo reativo face à crescente afirmação da AfD não se produz apenas no restante espectro de partidos, incluindo os da coligação. Esse mimetismo tem uma expressão acirrada à esquerda na Aliança Sahra Wagenknecht, cujas raízes se encontram no Die Link, gerando um contexto que concede o comando da situação à extrema-direita, adensando as preocupações dos que vêm a situação política alemã evoluir para um modelo que ressuscita alguns monstros da história alemã mais recente.)
Tenho sérias dúvidas quanto à consistência conceptual de rotular a Aliança Sahra Wagenknecht de populismo de esquerda, já que me parece que não estarão reunidas todas as condições de simetria à direita e à esquerda quanto às bases do populismo. Mas essas minhas dúvidas são o que menos importa. O fundamental é reconhecer que no espectro partidário alemão existe um campo de política à esquerda que não esconde a sua origem comunista, que alinha na rejeição da imigração, não morre de amores pelo combate da Ucrânia pela sua sobrevivência e indiretamente não esconde também o seu saudosismo pelo que a União Soviética significava. É verdade que a sua base eleitoral é mais forte na Alemanha que já foi de leste e pró-soviética, mas é indiscutível que nessas regiões tem uma base eleitoral que é praticamente superior à do SPD e Verdes juntos. Tudo isto no coração do putativo motor de crescimento da União Europeia.
Mais do que isso, o comportamento da Aliança Sahra Wagenknecht mostra que o mimetismo de posições provocado pela ascensão da extrema-direita está a corroer o sistema por dentro, disseminando posições defensivas e de cópia (e esta é sempre inferior ao original) por todo o espectro partidário, que concede à extrema-direita uma significativa margem de manobra. Para a exercer não necessitou até agora de estar no poder.
A reivindicação por esse passo fará parte das cenas dos próximos capítulos.
Olhando para tudo isto, e a minha preocupação é por demais evidente, não deixo de concluir que, em comparação com tudo isto, o português CHEGA é pouco mais do que uma brincadeira de crianças. Mas também com algum efeito mimético.
Sem comentários:
Enviar um comentário