segunda-feira, 2 de setembro de 2024

QUO VADIS, POLÍTICA DE COESÃO?

 

(Este título talvez seja provocatório e alarmista, mas não é da minha lavra. É parte do título de um documento que acaba de ser publicado pelo SOCIAL EUROPE, elaborado como “policy paper” pelo Bertelssman Stiftung. Como costumo dizer, quando os think-tanks mais próximos e identificados com as coisas de Bruxelas acenam com alguma ideia provocatória, há sempre algo na manga. Ou correspondem a jogadas de influência e um “policy paper” presta-se a isso, ou então passam a papel e a ideias mais organizadas algo que corre como rumor nos corredores do poder comunitário. Obviamente que, no caso vertente, talvez seja prematuro antes de ser conhecida a estrutura de poder da Comissão Europeia. Mas a substituição de Comissários (as) não acontece num vazio, a estrutura das Direções Gerais está lá intacta e é nesse meio que as ideias mais disruptivas começam a germinar. Aliás, é também nesse campo que a influência dos think-tanks deve ser compreendida. Além do mais, já não é de hoje a manifesta animosidade que as políticas de coesão têm despertado nos últimos tempos, sobretudo num contexto da moderada importância dos seus resultados, mesmo que como o tenho por repetidas vezes assinalado os temas da inovação e da competitividade tenham assumido um lugar que creio é irreversível no próprio desenho das políticas de coesão. Retomando o fio à meada do meu último post, se medíssemos a importância dos resultados da política de coesão apenas segundo as lentes da mitigação dos efeitos da reunificação alemã, o estado da arte das políticas de coesão andaria pelas ruas da amargura. Senão economicamente, pelo menos do ponto de vista político a proliferação da extrema-direita pelas regiões da ex-Alemanha de Leste seria um péssimo cartão de visita para a política de coesão.)

O artigo de Thomas Schwab situa a política de coesão numa desafiadora encruzilhada e, pior do que isso, por vezes em competição aberta com questões como o financiamento da guerra, da abordagem às mudanças climáticas, da política industrial necessária para que a União Europeia reduza a sua vulnerabilidade económica em alguns setores-chave como, por exemplo, o dos semicondutores, da energia ou das baterias. O autor interroga-se sobre o que lhe parece ser um verdadeiro paradoxo: por que razão a política de coesão enfrenta sempre a necessidade premente de justificar o seu financiamento, como se permanecesse permanentemente interrogada e ameaçada pelos resultados alcançados?

Segundo o autor, a intensidade com que o debate em curso sobre os rumos da política de coesão está a ser travado é totalmente nova, o que pode ser identificado como um sinal de disrupção futura. Apetece-me dizer que os adictos relativamente à política de coesão têm razões ponderosas para se sentirem preocupados.

O artigo é sábio ao recordar que os problemas da política de coesão remontam a uma das problemáticas de debate mais intenso na ciência económica, a análise do modo como numa economia de mercado a eficiência se articula com a equidade. É um problema de todos os tempos e quando a política de coesão tem as suas origens associadas à necessidade de introduzir um contraponto à progressão do mercado interno europeu na sequência das ideias de Jacques Delors fica, assim por natureza, associada a um problema que nem sempre é possível resolver com o equilíbrio mais adequado.

Mas há muito que as políticas de coesão deixaram de ficar circunscritas a critérios de regulação da equidade. O alargamento do conceito de coesão às dimensões da coesão social e territorial, esta última sempre insuficientemente definida e carecida de avanços mais significativos no conceito de justiça espacial, tornou a afirmação dessas políticas ainda mais complexa. Acontece assim que o quadro de objetivos das políticas de coesão se alargou imenso. Tenho para mim que sempre que os objetivos das políticas se multiplicam daí advêm riscos para a sua coerência e consistência e, obviamente, diversificação de detratores possíveis e militantes. Não espanta que a qualidade de cola que as políticas de coesão assumiam num quadro de fomento da convergência generalizada esteja hoje em crise e sobretudo assoberbado com outros objetivos como por exemplo o da transição para uma economia de mais baixo carbono. Dito de outro modo, sempre que se multiplicam os objetivos a retórica impõe-se como tentação dos diretórios e, de facto, como os diretórios europeus são imaginativos em cada período de programação!

Uma das matérias que vai marcar o debate que tenderá a ser mais aceso com a discussão do quadro financeiro multianual é a avaliação dos efeitos que o Next Generation, vulgo PRR nascido como instrumento de combate aos efeitos económicos e sociais da pandemia, provocou como instrumento de desenvolvimento estrutural em articulação /competição (?) com as políticas de coesão. O debate tenderá a ser alterado e o Next Generation acabou por vir complicar os conhecidos problemas de absorção dos fundos das políticas de coesão que já era antes conhecido (ver imagem que abre o post).

E, obviamente, que a operacionalização das políticas de coesão através de seis fundos europeus não é propriamente um modelo de articulação. Estou algo cansado com a retórica comunitária de sinergias com outras políticas comunitárias, quando as políticas de coesão não são um modelo que se recomende sem dúvidas nessa matéria.

Não me admiraria que a missão das próprias políticas de coesão se transforme ela própria em matéria de intenso debate. A retórica regulamentar e programática é vasta e insistente. Já em matéria de resultados o que há para mostrar não é propriamente entusiasmante.

Embrenhado na implementação do período de programação 2021-2027 e sobretudo enredado no cumprimento das metas do PRR, o país como um todo ignora olimpicamente o debate sobre as políticas de coesão. Espero sinceramente que a conferência da Regional Science na Ilha Terceira, em que a Comissária Elisa Ferreira esteve presente (facto bem assinalado pelo meu colega de blogue) tenha contribuído para o conhecimento desse debate.

Com a substituição dos Comissários (as) não teremos o poder de disseminação de ideias que a Comissária Elisa Ferreira por vezes nos proporcionou. E quase que apostaria que a impertinente Maria Luís Albuquerque estará no Colégio de Comissários do lado dos que torcerão o nariz às políticas de coesão. A folha de serviço que o Daniel Oliveira lhe dedicou no Expresso antecipa o pior nessa matéria. Depois não se queixem.

Nota: pequenas correções em 04.09.2024.

 

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