terça-feira, 10 de setembro de 2024

NOTÍCIAS TRISTES DO IMPERADOR DO ELISEU

(Agustin Sciammarella, http://elpais.com)

(Patrick Chappatte, https://www.lemonde.fr)

Macron já de há muito que vinha sinalizando não ser o que inicialmente pareceu, i.e., alguém com visão e capacidade para reformar a França, tendo para tal implodido o sistema político-partidário do país e forçado sem sucesso algumas mudanças de fundo na economia e na sociedade, ao que acrescia uma aparência de motivação e engenho para ser o motor de uma estratégia europeia em notória falta. Não querendo fazer curta uma longa história, feita de muitos desacertos e alguns azares, a realidade é que Macron está na fase final de dois mandatos que são avaliados como os mais inconsequentes de todos os havidos na Quinta República e que lhe granjeiam uma reputação abaixo de péssima junto da maioria dos seus concidadãos. Neste quadro, as suas decisões subsequentes às eleições europeias – dissolução do Parlamento e convocação de eleições antecipadas – não auguravam grandes perspetivas a um racional pouco mais do que ininteligível; realizadas as ditas legislativas, e após uma primeira volta em que tudo aparentava favorecer a extrema-direita de Le Pen, eis que a Esquerda em conjunto tocou a reunir e organizou uma coligação (“Nouveau Front Populaire”) para procurar que aquela não passasse, desiderato que largamente logrou através de uma vitória clara (embora não suficiente para gerar uma maioria parlamentar – veja-se mais abaixo a composição do hemiciclo francês saída das referidas eleições). A partir daí, Macron desenrolou uma novela de terceira classe (abaixo relatada em três diferentes mas compatíveis versões, os cartoons de Coco, as capas do “Libération” e os grandes títulos jornalísticos) em que entrou em negação definitiva, primeiro dando-se tempo infinito para a escolha de um primeiro-ministro (logo adiada para o termo dos Jogos Olímpicos), depois fazendo todos os compassos de espera que pôde (il n’en finit pas de prendre son temps, comentava-se) e ouvindo tudo quanto mexia para definir tal escolha (au suivant, escreviam os jornais), em seguida negando a nomeação da aceitável proposta conjunta da Esquerda (Lucie Castets) em nome da defesa de uma estabilidade institucional cuja lógica não se descortina e ainda tentando outras soluções de casting nesse e noutros espetros (Bernard Cazeneuve, Xavier Bertrand e Thierry Beaudet, designadamente), finalmente optando por se comprometer com Marine Le Pen na escolha de uma personagem de “identidade política flutuante” (como pudemos ver no seu desempenho aquando da negociação do Brexit) como é Michel Barnier. A alhada em que a França está agora metida, mais do que nunca, prenuncia um Macron a arrastar-se no poder, um primeiro-ministro a fazer de conta, os extremistas a medirem o tempo para o seu assalto, Mélenchon a desarranjar os consensos à esquerda e um PSF mais perdido em lutas intestinas do que capaz de capitalizar a unidade que foi conseguida contra todas as previsões – ou seja, um autêntico “cu de boi”, ademais com as contas públicas a darem enormes sinais de alerta.


(Corinne Rey, “Coco”, https://www.liberation.fr)



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