sexta-feira, 13 de setembro de 2024

PARADOXOS EUROPEUS

 

(Fazendo jus a uma notoriedade que vem de longe e que sinceramente tenho dificuldade em explicar, tamanha é a intensidade com que se manifesta, seja em Itália, seja na Europa e até nos EUA, Mario Draghi regressa ao centro das atenções mediáticas com a apresentação de mais um relatório sobre as delicadas questões da inovação e da competitividade na União Europeia. Se quisermos ser rigorosos, não será por falta de documentos desta natureza que a consistência europeia não avança. Tenho na memória vários documentos com esta expressão que, precisamente, se perderam na memória das pessoas e das instituições. Este último relatório suscitou-me uma reflexão de natureza diversa e daí a referência aos paradoxos europeus. O problema está em que, regra geral, este tipo de relatórios parte de diagnósticos rigorosos e bem documentados. Ora, o que ressalta desses diagnósticos em matéria de situação europeia comparativa é de deprimir o europeísta mais afoito, tamanho é o gap que separa a Europa dos blocos políticos e económicos que comandam a dinâmica mundial. Por isso, arrisco uma hipótese de avaliação, estes relatórios acabam por produzir o efeito contrário, levam á depressão e não ao entusiasmo na viragem. Isto não significa, obviamente, que não se trate de documentos de grande valia reflexiva, mas o problema é que os gaps de inovação e competitividade talvez resultem de outras questões estruturais, entre as quais o modelo institucional da governação europeia continua a ser a pedra no sapato que condiciona tudo o resto. Duvido sinceramente que haja capacidade de concertação política para acolher com abertura a proposta de Draghi para mais um “big push” em matéria de investimento financiado por dívida conjunta. Ainda estamos a braços com as dificuldades de dar sequência ao Next Generation EU e Draghi convida-nos para mais uma viagem. Um europeísta convicto e afoito interroga-se …)

Existe como sabemos na Europa uma grande animosidade para com os grandes expoentes do “high-tech global” e também é conhecido que a prática efetiva desses conglomerados é pouco recomendável. A Comissão Europeia tem-se esforçado por manter na linha esses potentados e são frequentes a coimas astronómicas dirimidas em longos processos judiciais, tais como por exemplo o que foi dirigido à APPLE. Todavia, paradoxalmente, os relatórios como o que Draghi acaba de apresenta começam quase sempre por acusar o vazio europeu nessa matéria: “A Europa está presa numa estrutura industrial estática com poucas empresas a crescer em disrupção contra as indústrias existentes ou para gerar novos motores de crescimento. De facto, Enão há na Europa nenhuma empresas com uma capitalização de mercado acima dos 100 milhares de milhões de euros que tenha surgido nos últimos cinco anos, enquanto todas as seis empresas americanas com um valor acima de um milhão de milhão de euros foram criadas nesse período”.

O relatório Draghi não foge a esse choradinho e refere mesmo que é conhecida a tendência para os start-up’s europeus escalarem no mercado americano em função da maior dinâmica do capital de risco americano, não escapando ao já batido lamento de que as práticas regulatórias europeias acabam por funcionar como um motivo para essa deserção. Que a Europa não tem uma cultura de capital de risco como a americana já o sabemos há muito, mas a questão das práticas regulatórias exigiria uma discussão mais profunda.

Os outros dois domínios em que o relatório Draghi se abalança com diagnósticos e propostas é o do desenvolvimento de um elo virtuoso entre descarbonização, inovação e competitividade e o do reforço das indústrias de defesa e segurança e redução da vulnerabilidade europeia nessa matéria, com a Alemanha à cabeça dessa dependência.

O relatório exigirá da minha parte uma leitura mais aprofundada para nele captar mais matéria de reflexão. Mas o que me parece é que discutir estas matérias sem em paralelo avançar na discussão da governação europeia, com as questões da situação política atual em França e na Alemanha no centro dessa reflexão, conduzirá este relatório aos rumos que outros traçaram no passado. Ou seja, existirá a costumeira dificuldade de traduzir a ambição das suas propostas em políticas europeias consequentes.

A ideia do “big push” de investimento nestas matérias é atrativa, mas não existe sequer uma avaliação do PRR europeu. E reunir condições políticas para o financiamento desse “big push” ainda me parece mais questionável.

 

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