quinta-feira, 19 de setembro de 2024

TECNOLOGIA E GUERRA

 


(A relação da tecnologia e do conhecimento que a suporta com o mundo das aplicações sempre foi ambivalente e, mais do que nunca, hoje, sinto essa ambivalência. Por um lado, vemos de novo a tragédia dos incêndios em contextos climáticos muito próprios, e cada vez mais repetíveis, a entrar vorazmente pelos ecrãs dos nossos televisores, sem que aparentemente o progresso da tecnologia se faça sentir. Estima-se que em matéria de comunicações ela esteja presente, mas se nos recordarmos do imbróglio que foi há poucos anos a questão da rede de comunicações contratada com a ALTICE, todas as dúvidas se alimentam. Sempre que se repetem fenómenos desta gravidade ouvimos falar de problemas de coordenação, quando aparentemente os progressos da tecnologia em matéria de informação e comunicação poderiam antecipar um maior potencial de coordenação. Do ponto da gravidade da situação climática e de ordenamento que subjaz a esta tragédia, sabemos que existe conhecimento e tecnologia que baste para estarmos avisados com alertas inteligentes que deveriam ajudar a prevenir e não a remediar. Mas não. Toda esta reincidência do fenómeno deixa-nos com a perceção que não estamos a utilizar em pleno o potencial de conhecimento e tecnologia que estão à nossa disposição, sobretudo se quisermos mudar comportamentos individuais e organizacionais. Por outro lado, e daí a ambivalência, a relação entre a tecnologia e a guerra densifica-se cada vez mais. Já sabíamos que Israel, no coração de todas as contradições, eleva a um nível superior essa relação, trabalhando com níveis de sofisticação nunca antes pensados. O ato de sabotagem à distância dos “pagers” e dispositivos similares utilizados por gente afeta ao Hezbollah, provocando remotamente explosões no que poderíamos chamar um esboço de terrorismo digital e o caos em muitos lugares do Líbano eleva essa sofisticação a um nível que muito provavelmente anuncia um novo paradigma da guerra, do qual os drones foram apenas a sua manifestação inicial).

Não sabemos ainda o que esta proeza de terrorismo militar irá provocar nas hostes que combatem desde sempre Israel. Tanto pode acontecer que por questões de segurança pura e simples, não da sofisticada cibersegurança, forças como o Hamas, o Hezbollah e outra similares regressem às formas mais tradicionais de comunicação, abolindo o digital, ou se pelo contrário aderirão à onda e respondam na mesma moeda sujeitando a população israelita a riscos similares e, pelo que se sabe, a população israelita é uma forte utilizadora da sociedade digital.

De qualquer modo, assistiremos no futuro próximo a uma significativa intensificação da articulação entre as atividades de I&D e de segurança e defesa, o que não é novidade pois a história da ciência e da tecnologia traz-nos importante evidência sobre esta articulação, aliás com resultados sempre relevantes para o avanço de algumas áreas da investigação científica e sua translação para a tecnologia.

Mas parece evidente que, do ponto de vista da relação entre a tecnologia e a guerra, estaremos perante um novo paradigma emergente.

Encontrei na crónica de hoje de Xosé Luís Ribeiro Rivas na VOZ DE GALICIA uma excelente forma de o traduzir (com os problemas de encontrar em português expressões condizentes com o estilo inconfundível do cronista:

A guerra é um horror sem paliativos. Mas uma guerra seletiva, em que se joga a vida dos que dela beneficiam, é menos injusta do que a divisão entre tropa e chefes e generais. Tudo aponta para que nisto estejamos a avançar de tal maneira -e já são tão grandes os arsenais – que até os caudilhos mais violentos estão a ficar prudentes. Porque não lhes interessa que, em vez de dirigir a partir de um bunker a batalha das Ardenas, venha um míssil e o mate na cama. Porque é tão certo que Deus escreve direito por linhas tortas e que o diabo escreve torto por linhas direitas.”

 

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