segunda-feira, 9 de setembro de 2024

AJUNTADORES

 


(Ainda na sequência da minha curta permanência por terras de Vale Flor e da Mêda, justificam-se algumas reflexões sobre uma das raras formas de organização da oferta de mão de obra para ocupações agrícolas, como sabemos cada vez mais escassa. Não tenho informação e evidência que me permita concluir da sua incidência generalizada por todo o Douro, mas admito que possa eventualmente estar a generalizar-se. Refiro-me ao papel (de mercado) dos chamados ajuntadores de mão de obra agrícola, pessoas organizadas formal ou informalmente sob a forma de pequena empresa que lideram o ajuntamento de pessoas para as diferentes tarefas sazonais, como a vindima ou a apanha da azeitona, não sei se também abrangendo a amêndoa. No Douro conhecia o processo dos ajuntadores de vinho, do qual me aproximei há já alguns anos quando coordenei o estudo sobre os vinhos do Douro e do Porto para o IVDP e no âmbito do qual entrevistei um dos ajuntadores mais representativos, o Senhor José Carlos Dias, Pocinho, com uma carteira de mais de 500 pequenos produtores, que desenvolve uma relação de profunda confiança com os mesmos, sendo responsável pelo escoamento de uma parte significativa dessa pequena produção e no fundo um intermediário relevante que chega posteriormente a prestar serviços aos grandes produtores e exportadores de vinho do Porto, completando colheitas. O caso que conheci na Mêda não tem a expressão quantitativa e de risco de um ajuntador de vinho como o que anteriormente mencionei, mas nestes tempos de escassez de mão de obra a função do ajuntador é preciosa para ir garantindo o cumprimento das grandes tarefas da sazonalidade agrícola, num território cada vez mais esvaziado. A Dona E. é também a pessoa que ajuda os meus Amigos de Vale Flor nas tarefas da casa quando a ocupação assim o exige e assim temos o mercado a funcionar e a mitigar um fenómeno real, o do declínio e esvaziamento demográfico e o da resistência agrícola.)

Neste caso da Mêda não deixa de ser curioso que seja de novo uma Mulher a assumir a organizar o processo de recrutamento e de organização da oferta de mão de obra, gerindo essencialmente dois recursos relevantes, habilmente combinados – o da informação e o da confiança. Como é óbvio, num quadro de profundo esvaziamento demográfico, será cada vez mais difícil um agricultor ou viticultor isolado identificar quem poderá fornecer-lhe os recursos de mão de obra necessários para organizar as grandes tarefas da sazonalidade. Os ajuntadores de mão de obra passam a integrar a organização do próprio mercado de trabalho agrícola, numa escala de equipas ajustada à pequena dimensão, e por vezes dispersão, das explorações.

Fenómeno de contornos futuros mais complexos vai ser o da organização de mão de obra estrangeira, imigrada de circunstância que, ao que me dizem, começa a já a ser observado no Douro para assegurar a vindima. A sensibilidade da imagem internacional do produto, particularmente do vinho do Porto, mas também do Douro DOC, não será compatível com fenómenos mais ou menos escabrosos como o de Odemira. A necessidade de assegurar recrutamentos de mão de obra estrangeira imaculados sob esse ponto de vista exigirá processos de regulação, cuja configuração concreta será decisivo para que o Douro navegue neste ambiente de profunda escassez de mão de obra agrícola. Na Mêda imagino que a questão seja mais fácil e que a presença dos ajuntadores consiga ir mitigando o problema. Isto enquanto o fenómeno do envelhecimento não atingir irreversivelmente os próprios produtores.

 

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