quinta-feira, 18 de julho de 2013

GAMA PASSOU POR AQUI

 
Terminou a segunda edição do ciclo de conferências “O Imaterial” que a Fundação de Serralves voltou a promover ao longo destes meses sob o cuidadoso comissariado de Artur Castro Neves. Um sucesso incontestável e que merece ser saudado, sobretudo se atentas as condições externas subjacentes de um país em depressão, uma cidade em desativação e elites em galopante apodrecimento. Apesar de tudo, ainda há gente à procura de informação e debate e outra gente disponível para partilhar o seu conhecimento e experiência.

Do andamento do ciclo aqui fui dando alguma nota, sempre centrada em sessões a que pude efetivamente assistir e em impressões que delas me ficavam. Parcialidade e subjetividade que repito hoje relativamente à sessão de fecho, a qual contou com mais uma excelente dupla improvável: Jaime Gama (JG) e Carlos Costa (CC).

De CC, e para além da reiterada evidência de uma espessura intelectual largamente acima da média, quero sobretudo reter dois elementos decisivos da sua visão sobre o futuro da União Europeia – um quadro institucional pensado para efeitos de partilha do poder legislativo e a ter de evoluir aceleradamente para partilhas de poder executivo (“um espaço à procura de uma política”) e uma construção em que o facto nacional terá sempre o seu lugar – e os seus apontamentos finais quanto às perspetivas no plano nacional. A este propósito, e sendo afirmado como certo que quanto mais rapidamente surgir uma entidade europeia capaz de fazer a “gestão do todo” mais fácil se tornará a inserção de espaços nacionais debilitados como o nosso, CC sustentou a importância igualmente não desprezível das condições estritamente internas (acentuando a sustentabilidade das finanças públicas e a repartição do rendimento sem perversões inflacionistas, ambas conduzindo ao caráter central de mecanismos de desenvolvimento institucional a nível de concertação e decisão).

Mas, e mais especificamente, CC focou a dimensão estrutural (não cíclica) do desemprego e a imprescindibilidade de a atalhar pelo lado da oferta (atração de investimento, base empresarial, migração para novos setores, sistema nacional de inovação e sua articulação com os sistemas de educação, formação profissional e investigação e desenvolvimento, empreendedorismo). Descendo ainda mais ao concreto, CC quis ainda indicar um particular estrangulamento: a ligação entre a baixa autonomia financeira do tecido empresarial português e a sua consequente vulnerabilidade ao crédito e aquilo que designou por combate à “doença silenciosa”, isto é, sermos capazes de realizar uma transição de gerações sem a destruição que tem vindo a ocorrer do capital social acumulado (transmissão de propriedade, separação propriedade-gestão, profissionalização da gestão, modelo organizacional, etc.). Um tópico a revisitar, quiçá com a conhecedora ajuda do António Figueiredo e o acicate do gráfico seguinte (retirado do site da Associação das Empresas Familiares), bem ilustrativo do ciclo geracional prevalecente (apenas 2% e 15% das empresas chegam à quarta e terceira gerações, respetivamente).



Quanto a JG, e passando aqui ao lado da sua interessante intervenção de base centrada na geopolítica da língua portuguesa, escolho o regresso ao tema europeu por parte de um ator circunstancialmente ímpar (duplamente ministro dos Negócios Estrangeiros, quer no momento da adesão comunitária quer no momento da adesão de Portugal à união económica e monetária) e que tem vindo a primar por um contido silêncio: falou-nos de um problema estrutural da arquitetura institucional constitutiva, agravado pelos alargamentos e por um estreitamento de relações com novos espaços externos, e só potencialmente resolúvel através de um poder efetivo sobre os mecanismos de repartição da riqueza criada e da sua inequívoca validação por sufrágio universal (incluindo uma combinação do princípio da igualdade entre os Estados com o princípio da representação populacional e uma figura presidencial). Entretanto, JG vai sugerindo que o atual ínterim assiste à organização de um mecanismo que, no quadro da criação de uma união bancária, “vai criar um problema acutilante relativamente à solidez das entidades bancárias”, com inevitáveis reflexos em termos de deslocalização e descapitalização de certas unidades e conduzindo a um processo de destruição de propriedade que finamente caraterizou como um “bolchevismo ao contrário”.

Agora, e assim tão bem terminada esta “corrida”, é tempo de se começar a pensar na preparação da próxima “viagem”. Viva “O Imaterial 3”, portanto… 

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