Estava com elevadas
expectativas quanto à grande entrevista de Manuel Lucena no Suplemento 2 de
hoje do Público. Podem imaginar que tenha alguma fixação particular por Anabela
Mota Ribeiro mas estava à espera que fosse ela a assinar a entrevista a Manuel
Lucena, mas não, a entrevista é de Miguel Gaspar.
As expectativas eram
elevadas porque Manuel Lucena é uma personalidade vital para compreender a
transição da ditadura para a democracia, não só pela sua própria investigação
sobre dimensões cruciais do antigo regime como o sistema corporativo e o seu
enraizamento na administração, mas também porque viveu e testemunhou essa
transição.
Para além disso, Lucena
manteve sempre uma heterodoxia assinalável de posicionamentos (que a entrevista
documenta com as suas ligações a ideias monárquicas, à sua participação no
Tempo e o Modo, no pós movimento universitário de 1962, entre outros) que o
levou, por exemplo, a apoiar Sá Carneiro no seu também heterodoxo apoio à
candidatura presidencial do General Soares Carneiro, na antecâmara da sua
acidentada morte.
A entrevista não deixa de
focar alguns períodos mais sugestivos da vida algo errante de Lucena até se
fixar nos quadros de investigação do hoje ICS, tais como Itália e Argel,
aspetos relevantes para compreender a génese da democracia em Portugal.
Mas estava à espera de mais,
sobretudo de mais interpelações e respostas sobre a situação política atual,
para compreender como é que um vulto heterodoxo como Lucena tende a interpretar
a evolução da direita em Portugal. Há algumas referências relevantes sobre as
teses de Lucena sobre o autoritarismo de Salazar, mas estava à espera de mais
sobre a projeção das suas ideias sobre os tempos difíceis que hoje se vivem.
A dimensão mais sugestiva da
entrevista é a humildade de Lucena sobre como se define a ele próprio,
humildade nada comum nos seus colegas de geração, todos com ego elevadíssimo e
frequentemente causa dos seus desencontros com o país: “Eu acho que só há uma coisa que eu faço mesmo bem: é traduzir. Tenho
traduzido menos do que poderia, tenho algumas traduções adiantadas que quero
acabar, quer de prosa quer de versos. E dificilmente me penso como outra coisa
qualquer. Não sou estúpido, de vez em quando penso umas coisas que não são mal
pensadas, mas não tenho um pensamento vasto e universal capaz de acolher os
principais aspetos da nossa existência”.
O tempo relativiza os nossos
egos.
Sem comentários:
Enviar um comentário