domingo, 28 de julho de 2013

LUCENA: UMA ENTREVISTA ALGO FALHADA



Estava com elevadas expectativas quanto à grande entrevista de Manuel Lucena no Suplemento 2 de hoje do Público. Podem imaginar que tenha alguma fixação particular por Anabela Mota Ribeiro mas estava à espera que fosse ela a assinar a entrevista a Manuel Lucena, mas não, a entrevista é de Miguel Gaspar.
As expectativas eram elevadas porque Manuel Lucena é uma personalidade vital para compreender a transição da ditadura para a democracia, não só pela sua própria investigação sobre dimensões cruciais do antigo regime como o sistema corporativo e o seu enraizamento na administração, mas também porque viveu e testemunhou essa transição.
Para além disso, Lucena manteve sempre uma heterodoxia assinalável de posicionamentos (que a entrevista documenta com as suas ligações a ideias monárquicas, à sua participação no Tempo e o Modo, no pós movimento universitário de 1962, entre outros) que o levou, por exemplo, a apoiar Sá Carneiro no seu também heterodoxo apoio à candidatura presidencial do General Soares Carneiro, na antecâmara da sua acidentada morte.
A entrevista não deixa de focar alguns períodos mais sugestivos da vida algo errante de Lucena até se fixar nos quadros de investigação do hoje ICS, tais como Itália e Argel, aspetos relevantes para compreender a génese da democracia em Portugal.
Mas estava à espera de mais, sobretudo de mais interpelações e respostas sobre a situação política atual, para compreender como é que um vulto heterodoxo como Lucena tende a interpretar a evolução da direita em Portugal. Há algumas referências relevantes sobre as teses de Lucena sobre o autoritarismo de Salazar, mas estava à espera de mais sobre a projeção das suas ideias sobre os tempos difíceis que hoje se vivem.
A dimensão mais sugestiva da entrevista é a humildade de Lucena sobre como se define a ele próprio, humildade nada comum nos seus colegas de geração, todos com ego elevadíssimo e frequentemente causa dos seus desencontros com o país: “Eu acho que só há uma coisa que eu faço mesmo bem: é traduzir. Tenho traduzido menos do que poderia, tenho algumas traduções adiantadas que quero acabar, quer de prosa quer de versos. E dificilmente me penso como outra coisa qualquer. Não sou estúpido, de vez em quando penso umas coisas que não são mal pensadas, mas não tenho um pensamento vasto e universal capaz de acolher os principais aspetos da nossa existência”.
O tempo relativiza os nossos egos.

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