terça-feira, 2 de julho de 2013

FORA DA CAIXA


Um ano passa depressa e assim chegou uma nova tertúlia na Católica Business School do Porto, como sempre sob o alto patrocínio conjunto da dupla Alberto Castro / Álvaro Nascimento e com a participação ativa central de José Fernando Pinto dos Santos (JFPS) e José Manuel Félix Ribeiro (JMFR). O tema que os “monitores” escolheram era estimulante – “E se a questão não fosse – só – a crise ou as finanças públicas?” – e eles exploraram-no magistralmente nas suas enormes diferenças e complementaridades, guiando-nos por lugares bem distantes daquela recheada sala do Edifício Américo Amorim.

Neste espaço, não me permito mais do que algumas notas soltas – embora desejavelmente sugestivas – sobre ditos e reflexões vindos de um e do outro. JFPS; fiel ao seu foco de estudo, equacionou a hipótese de um dos problemas para além da crise poder ser o modo como se dirige e concebe a gestão de empresas, definiu um gestor como alguém capaz de ser “realizador de um desempenho coletivo superior àquele que aconteceria naturalmente” – dirigir empresas não é economia aplicada, provocou – e sustentou um enfrentamento preferencial da atual situação de incerteza a partir do saber passado e não de uma visão do futuro.

JMFR, com o seu enfoque predominante na geopolítica e na geoeconomia, espraiou-se mais. Arrasou a União Europeia (“o pior dos manicómios”, onde não se distinguem doentes e médicos porque todos estão vestidos de branco) e a União Monetária (parecia um avião, era afinal um planador e, pior do que tudo, tenta-se agora transformar em pleno voo o dito planador num verdadeiro avião), sublinhando ainda que o papel atribuído à Europa do Sul tem sido o de impedir (com contrapartida em financiamento) que chegasse ao cockpit o intenso fogo que foi sendo disparado pelos mercados sobre o avião.

Depois, situou as contradições alemãs. Por um lado, a “dilacerante” inibição de um “comandante” de quem se reclama que lidere e pague mas a quem desapareceu o “imediato” francês e que vive preso nos seus traços genéticos (uma grande máquina exportadora mas não tanto inovadora, uma “sociedade jurássica” e muito dividida em relação a influências americanas, anglo-saxónicas e mercantis) e opções estratégicas (aposta, “errada”, numa primordial confiança em relação aos chineses). Do que decorre, por outro lado, a sua fundamental incapacitação para poder conduzir eficazmente a Europa na globalização.

Neste quadro, JMFR não escondeu o seu enviesamento pró-americano, quiçá excessivo. Porque os Estados Unidos se colocaram no centro da globalização pela forma como se articularam com a Ásia-Pacífico durante mais de três décadas. Porque, estando igualmente a atravessar uma fase difícil, os Estados Unidos já perceberam que não poderão travar o desenvolvimento de uma estratégia chinesa centrada em voltarem a um estatuto tipo império do meio nem assim evitar um previsível confronto sino-americano a médio prazo. Porque os Estados Unidos pretendem antecipar-se e acautelar os riscos de uma neutralidade europeia, simultaneamente “deitando a mão” a uma Europa que veem a caminho de se transformar num protetorado chinês e à qual propõem a celebração de um “acordo transatlântico de comércio livre”.

Refira-se, por fim, que também falou de nós. Dando umas no cravo – como a ideia de que não devemos pagar nenhuma dívida contraída desde 2009 junto de entidades internacionais públicas, pela sua responsabilidade e dos agentes políticos no atual estado de coisas, ou de que a solução para algo fortemente associado ao serviço prestado pela periferia à Zona Euro pressupõe um qualquer tipo de securitização – e outras na ferradura – do entendimento de que as coisas que temos de descobrir para nos reposicionarmos na globalização não vão estar na União Europeia à hipótese heterodoxa de construção de dois orçamentos, o das funções tradicionais do Estado e financiado como habitualmente e o das funções sociais e indissoluvelmente ligado às condições de crescimento económico e a um impossível recurso a financiamento externo. Deixando bem claro que não lograremos autoridade para negociar externamente se não mexermos significativamente na nossa organização interna, assim como um grande pessimismo a esse respeito – o que tem mudado, disse, tem tido sobretudo a ver com conquista de quotas de mercado em países do “Terceiro Mundo”, ou seja, corresponde a pouco mais do que uma “homenagem póstuma ao tenente-coronel Melo Antunes”.

E aquelas duas horas e meia voaram…

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