Breve pausa na saga
espanhola, que hoje teve mais um episódio, a revelação, a partir dos papéis de
Barcenas, de que o Presidente do Tribunal Constitucional espanhol pagou quotas
regularmente de militante do PP, gerando uma profunda discussão jurídica se tal
militância é ou não (aparentemente é) incompatível com o estatuto do cargo e
uma generalizada condenação ético-política.
Mas, mesmo assim, pausa
nessa saga, para respirar um pouco e mergulhar na outra saga, a nossa, em torno
da interrogação de saber se o PS assina ou não o compromisso de salvação
nacional patrocinado por Cavaco.
Já aqui escrevi que não
partilho a ideia defendida por algumas virgens da esquerda de protesto segundo
as quais a assinatura desse acordo ou compromisso significaria o suicídio político
do PS e uma rotura interna de proporções incalculáveis. Tudo depende do acordo
/compromisso que vier (se o for) a ser assinado, ou seja, de saber se o PS
consegue alguns ganhos de inversão da situação atual, incluindo aqui a
renegociação de alguns aspetos do memorando.
Façamos o ponto de situação,
refletindo sobre a parca informação que tem circulado.
Em primeiro lugar, não me
parece convincente que a existência de eleições antecipadas pós junho de 2014,
interrompendo a legislatura, possa ser considerada a maior cedência da maioria
e consequentemente o único ganho que o PS pode reivindicar. Se essa for a única
cedência da maioria, então a existência de um acordo constituiria a confirmação
da não firmeza de Seguro e sobretudo a revelação dos seus apetites eleitorais. Creio
que o PS não descerá tão baixo.
Coloca-se, por conseguinte,
a questão de saber a que matérias poderá o PS dar o seu apoio e que outras
deverão merecer firmeza de negociação. Tudo isto, pressupondo que não há “inside information” proporcionada pela
negociação, ou seja de que a situação financeira é ainda mais grave do que a
que tem sido possível antecipar.
Entre matérias que podem
merecer o apoio do PS estão seguramente as que podem ser objeto de um acordo de
concertação social envolvendo a UGT, mesmo dando de barato que a CGTP
permanecerá fiel à sua prática anterior e que não subscreverá o referido acordo
de concertação social. Por exemplo, a de uma fiscalidade mais atrativa para o
investimento direto estrangeiro (IDE) estruturante, a legislação laboral
alinhada com o acordo de concertação social anterior embora com flexibilização
acompanhada por mínimos inquestionáveis de proteção social no desemprego, algumas
opções de retirada do Estado de alguns setores da economia, sobretudo das
condições de sobreremuneração do trabalho que essa participação implicou, de
outras medidas de apoio à competitividade global da economia portuguesa e de
estímulo ao emprego jovem e qualificado. Poderia eventualmente ainda estender o
apoio a alguma flexibilização da legislação dirigida aos funcionários públicos,
diferindo a aplicação dos seus efeitos para um período de funcionamento menos
gravoso do mercado de trabalho.
Quanto às matérias de maior
dificuldade de negociação, elas terão de envolver a necessidade da atual
maioria se comprometer com o abandono da ideia de utilizar o memorando da
TROIKA como uma via encapotada de revisão constitucional e, com isso, a
necessidade de assumir uma outra posição de negociação perante a TROIKA,
tirando partido do falhanço da estratégia global de consolidação. Neste domínio,
o PS terá de ser claro nas escolhas públicas que preconiza para a consolidação
fiscal, mesmo que a um ritmo que implique cortes mais prolongados no tempo e
por isso menos “one shot”. Se propõe de
novo a redução do IVA turístico essa opção tem necessariamente de ser integrada
num novo quadro de escolhas públicas. Nesse quadro, o esforço do investimento
em educação a médio-longo prazo, a consolidação de mínimos inultrapassáveis de
proteção social envolvendo nessa defesa a intervenção do poder local, algumas
propostas em sede de IRC tendentes a assegurar uma maior equidade do sistema
podem ser apontadas como medidas ilustrativas dessa negociação.
Será que o PS estará a
negociar com esta estratégia?
Entretanto, à esquerda nada
de novo. João Miguel Tavares, hoje no Público, tem algum momento de lucidez
quando invoca a ideia de que Cavaco terá também entalado a esquerda,
obrigando-a a movimentar-se mesmo contra a vontade da sua profunda inércia e
cristalização.
O que é que poderá ser um
governo à esquerda do PS, mesmo admitindo o pouco plausível aumento radical do
voto de protesto? Pelo que se vai ouvindo, um possível programa de governo
decorrente dessa orientação tem por agora um ponto único – reestruturação da dívida.
Do voto de protesto à governação credível vai uma longa distância e nem o BE,
nem o PCP, nem a ala mais radical do PS têm apresentado ideias convincentes
para um eleitorado interessado na radicalização do processo político. Não direi
que as movimentações à esquerda são matéria de folclore político. Mas fazem
parte de um jogo de sombras, feito à medida da não perturbação do voto de
protesto. Mesmo assim, o Bloco parece menos cristalizado.
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