quinta-feira, 18 de julho de 2013

O (NÃO) ACORDO



Breve pausa na saga espanhola, que hoje teve mais um episódio, a revelação, a partir dos papéis de Barcenas, de que o Presidente do Tribunal Constitucional espanhol pagou quotas regularmente de militante do PP, gerando uma profunda discussão jurídica se tal militância é ou não (aparentemente é) incompatível com o estatuto do cargo e uma generalizada condenação ético-política.
Mas, mesmo assim, pausa nessa saga, para respirar um pouco e mergulhar na outra saga, a nossa, em torno da interrogação de saber se o PS assina ou não o compromisso de salvação nacional patrocinado por Cavaco.
Já aqui escrevi que não partilho a ideia defendida por algumas virgens da esquerda de protesto segundo as quais a assinatura desse acordo ou compromisso significaria o suicídio político do PS e uma rotura interna de proporções incalculáveis. Tudo depende do acordo /compromisso que vier (se o for) a ser assinado, ou seja, de saber se o PS consegue alguns ganhos de inversão da situação atual, incluindo aqui a renegociação de alguns aspetos do memorando.
Façamos o ponto de situação, refletindo sobre a parca informação que tem circulado.
Em primeiro lugar, não me parece convincente que a existência de eleições antecipadas pós junho de 2014, interrompendo a legislatura, possa ser considerada a maior cedência da maioria e consequentemente o único ganho que o PS pode reivindicar. Se essa for a única cedência da maioria, então a existência de um acordo constituiria a confirmação da não firmeza de Seguro e sobretudo a revelação dos seus apetites eleitorais. Creio que o PS não descerá tão baixo.
Coloca-se, por conseguinte, a questão de saber a que matérias poderá o PS dar o seu apoio e que outras deverão merecer firmeza de negociação. Tudo isto, pressupondo que não há “inside information” proporcionada pela negociação, ou seja de que a situação financeira é ainda mais grave do que a que tem sido possível antecipar.
Entre matérias que podem merecer o apoio do PS estão seguramente as que podem ser objeto de um acordo de concertação social envolvendo a UGT, mesmo dando de barato que a CGTP permanecerá fiel à sua prática anterior e que não subscreverá o referido acordo de concertação social. Por exemplo, a de uma fiscalidade mais atrativa para o investimento direto estrangeiro (IDE) estruturante, a legislação laboral alinhada com o acordo de concertação social anterior embora com flexibilização acompanhada por mínimos inquestionáveis de proteção social no desemprego, algumas opções de retirada do Estado de alguns setores da economia, sobretudo das condições de sobreremuneração do trabalho que essa participação implicou, de outras medidas de apoio à competitividade global da economia portuguesa e de estímulo ao emprego jovem e qualificado. Poderia eventualmente ainda estender o apoio a alguma flexibilização da legislação dirigida aos funcionários públicos, diferindo a aplicação dos seus efeitos para um período de funcionamento menos gravoso do mercado de trabalho.
Quanto às matérias de maior dificuldade de negociação, elas terão de envolver a necessidade da atual maioria se comprometer com o abandono da ideia de utilizar o memorando da TROIKA como uma via encapotada de revisão constitucional e, com isso, a necessidade de assumir uma outra posição de negociação perante a TROIKA, tirando partido do falhanço da estratégia global de consolidação. Neste domínio, o PS terá de ser claro nas escolhas públicas que preconiza para a consolidação fiscal, mesmo que a um ritmo que implique cortes mais prolongados no tempo e por isso menos “one shot”. Se propõe de novo a redução do IVA turístico essa opção tem necessariamente de ser integrada num novo quadro de escolhas públicas. Nesse quadro, o esforço do investimento em educação a médio-longo prazo, a consolidação de mínimos inultrapassáveis de proteção social envolvendo nessa defesa a intervenção do poder local, algumas propostas em sede de IRC tendentes a assegurar uma maior equidade do sistema podem ser apontadas como medidas ilustrativas dessa negociação.
Será que o PS estará a negociar com esta estratégia?
Entretanto, à esquerda nada de novo. João Miguel Tavares, hoje no Público, tem algum momento de lucidez quando invoca a ideia de que Cavaco terá também entalado a esquerda, obrigando-a a movimentar-se mesmo contra a vontade da sua profunda inércia e cristalização.
O que é que poderá ser um governo à esquerda do PS, mesmo admitindo o pouco plausível aumento radical do voto de protesto? Pelo que se vai ouvindo, um possível programa de governo decorrente dessa orientação tem por agora um ponto único – reestruturação da dívida. Do voto de protesto à governação credível vai uma longa distância e nem o BE, nem o PCP, nem a ala mais radical do PS têm apresentado ideias convincentes para um eleitorado interessado na radicalização do processo político. Não direi que as movimentações à esquerda são matéria de folclore político. Mas fazem parte de um jogo de sombras, feito à medida da não perturbação do voto de protesto. Mesmo assim, o Bloco parece menos cristalizado.

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