terça-feira, 5 de junho de 2018

PARA QUÊ CAPTURAR O PODER SE O PODEMOS OCUPAR?



(O fogo de artifício das alarvidades e inconstâncias de Trump tem ocultado as estratégias de poder e de controlo das ideias que germinam em torno do isco vistoso do Presidente. Mas há quem mantenha o espírito crítico e beligerante, a bem da transparência e da força das ideias.)

Têm razão aqueles que consideram que a presidência de Trump não é um epifenómeno, um sonho mau transformado em pesadelo, mas que não passa disso. As alarvidades, o comportamento errático e indecoroso do Presidente, a sua propensão para medidas irrefletidas baseadas em argumentos económicos falaciosos têm dissimulado o essencial: a candidatura de Trump racionaliza o período de agravamento das desigualdades na sociedade americana. A máxima é a seguinte: para quê capturar interesses se podemos governar? Nos tempos da nossa revolução, pairava pelas paredes um slogan provavelmente de reminiscências anarquistas que se a memória não me atraiçoa era mais ou menos o seguinte: “As putas ao poder que os filhos já lá estão”. Neste caso, com empresários do 1% mais rico no poder, há que tratar da saúde de outros ambientes.

Como é óbvio, os ambientes da informação e das Universidades constituem o próximo estádio da agenda do controlo das ideias. Há sempre candidatos ao exercício dessa função, em busca de protagonismo e partilha dos lucros. Mas as instituições da sociedade americana resistem. Tendemos a confundir a Universidade americana com o mainstream da ciência económica, habitualmente avesso a grandes incursões político-ideológicas. Basta-lhe o status quo desse mainstream para serem agraciados por isso. Mas o ambiente interno das Universidades é bem mais rico do que possa parecer pelo tipo de economia que se ensina em algumas delas. A liberdade de pensamento e debate é um valor e tem resistido aos assaltos do 1% mais rico, apesar do modelo de financiamento.

Recentemente, a universidade de Stanford foi palco de ofensivas dessa natureza, protagonizadas pelo historiador Niall Ferguson, responsável por um programa na Universidade designado de Cardinal Sessions, no qual a universidade animou palestras de diferentes conservadores, com matéria do género de que as diferenças entre brancos e negros em termos de inteligência teriam razões genéticas para acontecerem. Face à reação massiva dos estudantes de Stanford, Ferguson apelou aos estudantes de direita para uma revolta contra os Social Justice Warriors. Enfim, algo com mais calibre do que terá sucedido na Nova em Lisboa com as estúpidas diatribes mais ou menos bloquistas contra Jaime Nogueira Pinto. No The Daily Stanford pode ler-se que Ferguson se demitiu da orientação das Cardinal Sessions a partir do momento em que foi publicada correspondência eletrónica do historiador com os estudantes republicanos para enquadrar a sua ação (link aqui).

Para registar este ambiente, nada melhor do que um excerto da crónica de Krugman que permanece atento contra o clima de intimidação que a ascensão de Trump está a patrocinar (link aqui):

Na verdade, os grupos conservadores estão empenhados num esforço sistemático de impor padrões políticos à educação superior. Por exemplo, sabemos que os irmãos Koch usaram os donativos para ganhar poder sobre os recrutamentos académicos pelo menos em duas universidades.
O que é isso significa para todos nós? Significa que se assumirem um qualquer papel que implique informar as pessoas – seja no ensino ou no jornalismo –não devem consentir que gurus da direita vos submetam.
Nestes dias, quer as Universidades quer as novas organizações estão sob uma pressão constante não apenas para serem simpáticos para com Trump mas também para respeitar as perspetivas de direita em curso. As pessoas que protagonizam essas exigências clamam por justiça.
Depois têm de se lembrar que essa exigência é feita de má-fé. Não tem nada que ver com justiça; tem tudo a ver com poder.”

Quem escreve assim …

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