Ainda Rajoy
se aguentava nas canetas, embora trémulo e a precisar de bengala, e já as antecâmaras
da Calle Génova em Madrid se agitavam a pensar numa sucessão. O estilo
pachorrento do ex-líder incomodava as hostes sempre com os olhos focados nas
sondagens, mas nada. Pequenos arrufos ali (a imagem das Señoras Cospedal e Soraya
de Santamaría em duas cadeias separadas por uma cadeira vazia, tornou-se viral),
grandes desmentidos acolá, tudo se clarificou com a saída voluntária de Rajoy em
busca da liberdade de uma vida em privado. Rajoy abandonou sem indicar sucessor,
nem com o mínimo gesto somático-facial que pudesse indicar alguma predileção. Quem
quiser que se perfile.
Depois do abandono
de Rajoy (e não foi há muito tempo, mas esta política de hoje tem um tempo
danado de curto), o PP pareceu entrar num limbo de expectativa. Tempo de espera
determinado essencialmente pela expectativa do posicionamento de Alberto Núñez
Feijoo, Presidente da Xunta de Galicia. Porquê esta expectativa? Estaremos perante
um fora de série da política? Poderá dizer-se que a maioria absoluta de Feijoo
na Galiza impressiona num universo PP tão fragilizado pelas ondas da corrupção.
Mas uma maioria absoluta na Galiza não significa de modo nenhum perspetivas elevadas
para um combate eleitoral em toda a Espanha. As raízes galegas mais profundas
continuam conservadoras, que me perdoem os meus amigos galegos mais progressistas,
sobretudo aqueles que sempre lutaram pelos símbolos da modernidade e da urbanidade
numa Galiza preparada por Fraga para longo tempo de permanência no poder. O que
é que tem então Feijoo que justificasse este limbo em que o PP pareceu ter
mergulhado, adiando o desembainhar de espadas?
O peso da
figura de Feijoo é indissociável do que tem vindo entretanto a passar-se na direita
espanhola com a ascensão do CIUDADANOS. Quando surgiu, o partido de Rivera e de
Arrimadas (as suas figuras mais conhecidas) apresentava-se com a imagem de querer
modernizar a direita espanhola, mantendo vivo o fogo do espanholismo. O
CIUDADANOS pretendia ser um PP mais jovem e sobretudo limpo das sombras da
corrupção que o visitara e impregnara nos últimos tempos. Com o decurso do tempo
e apesar de ser o partido mais votado na Catalunha (o que é obra de relevo, não
opodemos ignorar), o partido de Rivera projetou-se sobretudo com uma outra
imagem, que consistia em assumir uma governação liberal de direita, liberto das
sombras da corrupção, entendida como uma herança do passado.
Ora, nas
hostes PP, Feijoo era o personagem político com mais perfil e inserção para combater
a emergência de Rivera e seus pares. Embora a esquerda galega mais radical
nunca tenha abandonado sinais públicos de que Feijoo não esteve suficientemente
longe de alguns interesses obscuros da Galiza mais profunda, a verdade é que as
suas ligações com o galeguismo centrado no sistema financeiro (entretanto
fortemente abalado pela crise das Caixas) e uma proximidade à OPUS DEI que nunca
foi clarificada fizeram de Feijoo o candidato que os PP de cara lavada
desejavam. O melhor indicador desse potencial era a animosidade oculta que a
Vice-Presidente do Governo de Rajoy, Soraya de Santamaría, devotada ao líder do
PP galego, mostrando que também entrava nas contas da sucessão.
Pois as
espadas estão desembainhadas no PP, pois Feijoo numa alocução de dedicação de
amor eterno aos galegos (link aqui) decidiu não apresentar-se a votos no partido, porque
entendeu que a saída poderia ser lida como uma traição às promessas com que
havia se comprometido com a Galiza. Grandiloquente intervenção que pode calar
fundo na direita galega, mas que pode ter uma outra intervenção. Se é certo que
Feijoo ganharia provavelmente com facilidade a sucessão de Rajoy, não é certo
que isso bastasse para cortar o caminho ai CIUDADANOS. E essa passa a ser a
partir de agora a maior interrogação na política espanhola, curiosamente mais
importante do que saber de o PSOE poderá chegar ou não ao fim da legislatura
com uma geringonça a saber a paella. Quem vai de facto reorganizar a direita espanhola
e lavar as feridas da corrupção?
Com um governo
de Sánchez em que a modernidade da mulher espanhola tem uma representação de
excelência, parece não ser difícil imaginar que o combate entre Santamaría e
Cospedal vai dar toda a importância aquela cadeia vazia que se tornou viral. Se
assim não for e os candidatos masculinos dominarem o combate, então o PSOE de Sánchez
terá uma segunda vitória, mostrando que a direita não compreendeu a real dimensão
da modernidade da mulher em Espanha.
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