terça-feira, 19 de junho de 2018

SOBRE A REAL DIMENSÃO DE FEIJÓ





Ainda Rajoy se aguentava nas canetas, embora trémulo e a precisar de bengala, e já as antecâmaras da Calle Génova em Madrid se agitavam a pensar numa sucessão. O estilo pachorrento do ex-líder incomodava as hostes sempre com os olhos focados nas sondagens, mas nada. Pequenos arrufos ali (a imagem das Señoras Cospedal e Soraya de Santamaría em duas cadeias separadas por uma cadeira vazia, tornou-se viral), grandes desmentidos acolá, tudo se clarificou com a saída voluntária de Rajoy em busca da liberdade de uma vida em privado. Rajoy abandonou sem indicar sucessor, nem com o mínimo gesto somático-facial que pudesse indicar alguma predileção. Quem quiser que se perfile.

Depois do abandono de Rajoy (e não foi há muito tempo, mas esta política de hoje tem um tempo danado de curto), o PP pareceu entrar num limbo de expectativa. Tempo de espera determinado essencialmente pela expectativa do posicionamento de Alberto Núñez Feijoo, Presidente da Xunta de Galicia. Porquê esta expectativa? Estaremos perante um fora de série da política? Poderá dizer-se que a maioria absoluta de Feijoo na Galiza impressiona num universo PP tão fragilizado pelas ondas da corrupção. Mas uma maioria absoluta na Galiza não significa de modo nenhum perspetivas elevadas para um combate eleitoral em toda a Espanha. As raízes galegas mais profundas continuam conservadoras, que me perdoem os meus amigos galegos mais progressistas, sobretudo aqueles que sempre lutaram pelos símbolos da modernidade e da urbanidade numa Galiza preparada por Fraga para longo tempo de permanência no poder. O que é que tem então Feijoo que justificasse este limbo em que o PP pareceu ter mergulhado, adiando o desembainhar de espadas?

O peso da figura de Feijoo é indissociável do que tem vindo entretanto a passar-se na direita espanhola com a ascensão do CIUDADANOS. Quando surgiu, o partido de Rivera e de Arrimadas (as suas figuras mais conhecidas) apresentava-se com a imagem de querer modernizar a direita espanhola, mantendo vivo o fogo do espanholismo. O CIUDADANOS pretendia ser um PP mais jovem e sobretudo limpo das sombras da corrupção que o visitara e impregnara nos últimos tempos. Com o decurso do tempo e apesar de ser o partido mais votado na Catalunha (o que é obra de relevo, não opodemos ignorar), o partido de Rivera projetou-se sobretudo com uma outra imagem, que consistia em assumir uma governação liberal de direita, liberto das sombras da corrupção, entendida como uma herança do passado.

Ora, nas hostes PP, Feijoo era o personagem político com mais perfil e inserção para combater a emergência de Rivera e seus pares. Embora a esquerda galega mais radical nunca tenha abandonado sinais públicos de que Feijoo não esteve suficientemente longe de alguns interesses obscuros da Galiza mais profunda, a verdade é que as suas ligações com o galeguismo centrado no sistema financeiro (entretanto fortemente abalado pela crise das Caixas) e uma proximidade à OPUS DEI que nunca foi clarificada fizeram de Feijoo o candidato que os PP de cara lavada desejavam. O melhor indicador desse potencial era a animosidade oculta que a Vice-Presidente do Governo de Rajoy, Soraya de Santamaría, devotada ao líder do PP galego, mostrando que também entrava nas contas da sucessão.

Pois as espadas estão desembainhadas no PP, pois Feijoo numa alocução de dedicação de amor eterno aos galegos (link aqui) decidiu não apresentar-se a votos no partido, porque entendeu que a saída poderia ser lida como uma traição às promessas com que havia se comprometido com a Galiza. Grandiloquente intervenção que pode calar fundo na direita galega, mas que pode ter uma outra intervenção. Se é certo que Feijoo ganharia provavelmente com facilidade a sucessão de Rajoy, não é certo que isso bastasse para cortar o caminho ai CIUDADANOS. E essa passa a ser a partir de agora a maior interrogação na política espanhola, curiosamente mais importante do que saber de o PSOE poderá chegar ou não ao fim da legislatura com uma geringonça a saber a paella. Quem vai de facto reorganizar a direita espanhola e lavar as feridas da corrupção?

Com um governo de Sánchez em que a modernidade da mulher espanhola tem uma representação de excelência, parece não ser difícil imaginar que o combate entre Santamaría e Cospedal vai dar toda a importância aquela cadeia vazia que se tornou viral. Se assim não for e os candidatos masculinos dominarem o combate, então o PSOE de Sánchez terá uma segunda vitória, mostrando que a direita não compreendeu a real dimensão da modernidade da mulher em Espanha.

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