(Interrogo-me frequentemente por que razão perspetivas
sólidas e equilibradas que existem em Portugal sobre o estatuto, reconhecimento
social e condições de trabalho dos professores do ensino básico e secundário
não logram sentar-se à mesa das negociações que ciclicamente acontecem entre o
Governo e a profissão. Estou cada vez mais convencido que uma mais
intensa renovação dos dirigentes das organizações sindicais seria um primeiro
passo.)
Para além do
cargo de Ministro das Finanças, por razões óbvias e conhecidas, o lugar de
Ministro da Educação tem associado níveis de corrosão elevados. Regra geral, é
muito difícil encontrar gente que saiba de educação, conheça o sistema com os
seus vícios e potencialidades e, simultaneamente, tenha peso político,
negocial, capacidade de luta e “voz grossa”. O Ministro Tiago Brandão Rodrigues
é um jovem cientista empenhado, entusiasta, diligente, mas as condições de
formação do governo de António Costa à partida penalizaram-no com uma espécie
de pecado original e a nossa comunicação social é pródiga nestes enquistamentos
de avaliação. Não teria peso político, chancelado de erro de casting, vindo do
estrangeiro e do mundo da ciência e por isso desconhecedor dos meandros
corrosivos do ministério e do sistema, para além disso num contexto em que o
sistema está em stresse institucional. Já lá vai o boom da procura. É preciso chamar ao sistema os públicos mais
difíceis em termos de motivação, na sequência de afirmação dos objetivos de
redução do abandono e insucesso escolar e de diminuição dos jovens “nem-nem” ou
NEET, que nem trabalham, nem estão na escola, nem na formação profissional. O
ensino profissional é um desafio enorme para as escolas regulares e a
complexidade dos públicos também aumenta por essa via. A motivação dos
professores está em queda, as famílias tardam em reconhecer de novo o valor
social da profissão, a degradação social e familiar agudizou-se em muitos
territórios e as exigências das finanças são um obstáculo permanente. Algumas
medidas precipitadas de revisão de orientações do governo de Passos e Crato não
ajudaram a colmatar esta partida irregular.
As relações
entre a profissão e os governos azedaram sobretudo a partir da ação de Maria
Lurdes Rodrigues e uma grande manifestação de massas de professores varreu o
espaço político da época, com a avaliação de desempenho no centro da
perturbação. À distância, a ministra talvez não tenha dado provas de habilidade
política suficiente para introduzir no sistema a avaliação de desempenho. Esta
tem várias dimensões. A principal das quais é a dos resultados do próprio
sistema quando confrontado com critérios comparativos a nível internacional,
sob a validação de uma instituição credível, como é, até indicação em
contrário, a OCDE. Há também os resultados das provas nacionais, embora aqui
nem sempre a constância dos graus de exigências dos exames permita grandes
comparações. E depois há os dispositivos de avaliação de desempenho que têm de
germinar entre pares e que se depara sempre com inércias de variado tipo. Tenho
dedicado parte da minha vida profissional à avaliação de programas e políticas
e sei bem como a administração pública encara com desconfiança e reserva esses
processos. Tudo isto, num ambiente de exiguidade orçamental, cortes cegos de
despesa pública, tentativas variadas de desarmadilhar o Orçamento Geral do
Estado de compromissos para todo o sempre. Numa palavra, uma situação
explosiva, minada, pronta para rebentar ao mínimo solavanco, por isso, com
exigências crescentes de capacidade, habilidade e poder negocial.
No plano dos
resultados do sistema a nível global, a situação é diversa e contraditória. Os
resultados do PISA vieram melhorar o ego das Escolas. Houve progressão de
resultados, talvez um misto de eficácia do sistema e de se ter preparado melhor
o acesso a tais provas. As melhorias observadas foram relevantes sobretudo
atendendo aos baixos valores estruturais que foram superados. No plano interno,
das avaliações de aferição, há resultados surpreendentemente maus a vários
níveis (interpretativos, talvez os mais preocupantes pelas repercussões
cumulativas na aprendizagem, motores e como sempre a matemática). É difícil
assacar aos professores os deméritos de tais resultados e estou certo que os
mesmos merecerão atenção corretiva nos programas e esforços de cada Escola,
haja orientações para isso e as direções escolares lhe atribuam a importância
devida.
Mas o meu
ponto para hoje é o de uma constatação preocupante. Os governos mudam,
naturalmente, e por isso só por milagre será possível manter os níveis de
capacidade e habilidade negocial e de peso político para as equipas
ministeriais. O problema orçamental não desapareceu, antes pelo contrário
agudizou-se e paira sobre tudo a necessidade de aligeirar as despesas
comprometidas. Do lado dos professores, a representação sindical transformou-se
em mobiliário que não muda sequer a posição na casa, muito menos dá origem à
entrada de novas peças. É tudo gente muito respeitável, mas a rotação de
dirigentes poderia introduzir novos cambiantes.
Temos assim
uma armadilha de inércia que se abate sobre cada poder político. E o que
verdadeiramente me preocupa é que no sistema de educação e formação há
pensamento, gente e perspetivas que poderiam contrariar tal inércia e trazer ar
fresco à negociação. O que não acontece. Os professores parecem pouco
interessados em recuperar o seu reconhecimento social. Percebo que pagar contas
ao fim do mês é tramado e abdicar de regalias de progressão de tempo de serviço
é nestes tempos pedir de mais. Mas a classe tem de estar sensível e pronta a
combater os mitos de que a educação-orientação não conta e o baixo
reconhecimento social que, dominantemente, as famílias lhe atribuem. Considero
isso tão importante como a barganha remuneratória e de contagem de tempo de serviço.
Será que os
sindicatos compreendem este equilíbrio? Será que têm a perceção de que a sua
postura compromete ainda mais esse reconhecimento?
Porque não
uma renovação dos rostos que se sentam a negociar? Ou transformaram-se em
lugares cativos?
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