quinta-feira, 7 de junho de 2018

PROFESSORES



(Interrogo-me frequentemente por que razão perspetivas sólidas e equilibradas que existem em Portugal sobre o estatuto, reconhecimento social e condições de trabalho dos professores do ensino básico e secundário não logram sentar-se à mesa das negociações que ciclicamente acontecem entre o Governo e a profissão. Estou cada vez mais convencido que uma mais intensa renovação dos dirigentes das organizações sindicais seria um primeiro passo.)

Para além do cargo de Ministro das Finanças, por razões óbvias e conhecidas, o lugar de Ministro da Educação tem associado níveis de corrosão elevados. Regra geral, é muito difícil encontrar gente que saiba de educação, conheça o sistema com os seus vícios e potencialidades e, simultaneamente, tenha peso político, negocial, capacidade de luta e “voz grossa”. O Ministro Tiago Brandão Rodrigues é um jovem cientista empenhado, entusiasta, diligente, mas as condições de formação do governo de António Costa à partida penalizaram-no com uma espécie de pecado original e a nossa comunicação social é pródiga nestes enquistamentos de avaliação. Não teria peso político, chancelado de erro de casting, vindo do estrangeiro e do mundo da ciência e por isso desconhecedor dos meandros corrosivos do ministério e do sistema, para além disso num contexto em que o sistema está em stresse institucional. Já lá vai o boom da procura. É preciso chamar ao sistema os públicos mais difíceis em termos de motivação, na sequência de afirmação dos objetivos de redução do abandono e insucesso escolar e de diminuição dos jovens “nem-nem” ou NEET, que nem trabalham, nem estão na escola, nem na formação profissional. O ensino profissional é um desafio enorme para as escolas regulares e a complexidade dos públicos também aumenta por essa via. A motivação dos professores está em queda, as famílias tardam em reconhecer de novo o valor social da profissão, a degradação social e familiar agudizou-se em muitos territórios e as exigências das finanças são um obstáculo permanente. Algumas medidas precipitadas de revisão de orientações do governo de Passos e Crato não ajudaram a colmatar esta partida irregular.

As relações entre a profissão e os governos azedaram sobretudo a partir da ação de Maria Lurdes Rodrigues e uma grande manifestação de massas de professores varreu o espaço político da época, com a avaliação de desempenho no centro da perturbação. À distância, a ministra talvez não tenha dado provas de habilidade política suficiente para introduzir no sistema a avaliação de desempenho. Esta tem várias dimensões. A principal das quais é a dos resultados do próprio sistema quando confrontado com critérios comparativos a nível internacional, sob a validação de uma instituição credível, como é, até indicação em contrário, a OCDE. Há também os resultados das provas nacionais, embora aqui nem sempre a constância dos graus de exigências dos exames permita grandes comparações. E depois há os dispositivos de avaliação de desempenho que têm de germinar entre pares e que se depara sempre com inércias de variado tipo. Tenho dedicado parte da minha vida profissional à avaliação de programas e políticas e sei bem como a administração pública encara com desconfiança e reserva esses processos. Tudo isto, num ambiente de exiguidade orçamental, cortes cegos de despesa pública, tentativas variadas de desarmadilhar o Orçamento Geral do Estado de compromissos para todo o sempre. Numa palavra, uma situação explosiva, minada, pronta para rebentar ao mínimo solavanco, por isso, com exigências crescentes de capacidade, habilidade e poder negocial.

No plano dos resultados do sistema a nível global, a situação é diversa e contraditória. Os resultados do PISA vieram melhorar o ego das Escolas. Houve progressão de resultados, talvez um misto de eficácia do sistema e de se ter preparado melhor o acesso a tais provas. As melhorias observadas foram relevantes sobretudo atendendo aos baixos valores estruturais que foram superados. No plano interno, das avaliações de aferição, há resultados surpreendentemente maus a vários níveis (interpretativos, talvez os mais preocupantes pelas repercussões cumulativas na aprendizagem, motores e como sempre a matemática). É difícil assacar aos professores os deméritos de tais resultados e estou certo que os mesmos merecerão atenção corretiva nos programas e esforços de cada Escola, haja orientações para isso e as direções escolares lhe atribuam a importância devida.

Mas o meu ponto para hoje é o de uma constatação preocupante. Os governos mudam, naturalmente, e por isso só por milagre será possível manter os níveis de capacidade e habilidade negocial e de peso político para as equipas ministeriais. O problema orçamental não desapareceu, antes pelo contrário agudizou-se e paira sobre tudo a necessidade de aligeirar as despesas comprometidas. Do lado dos professores, a representação sindical transformou-se em mobiliário que não muda sequer a posição na casa, muito menos dá origem à entrada de novas peças. É tudo gente muito respeitável, mas a rotação de dirigentes poderia introduzir novos cambiantes.

Temos assim uma armadilha de inércia que se abate sobre cada poder político. E o que verdadeiramente me preocupa é que no sistema de educação e formação há pensamento, gente e perspetivas que poderiam contrariar tal inércia e trazer ar fresco à negociação. O que não acontece. Os professores parecem pouco interessados em recuperar o seu reconhecimento social. Percebo que pagar contas ao fim do mês é tramado e abdicar de regalias de progressão de tempo de serviço é nestes tempos pedir de mais. Mas a classe tem de estar sensível e pronta a combater os mitos de que a educação-orientação não conta e o baixo reconhecimento social que, dominantemente, as famílias lhe atribuem. Considero isso tão importante como a barganha remuneratória e de contagem de tempo de serviço.

Será que os sindicatos compreendem este equilíbrio? Será que têm a perceção de que a sua postura compromete ainda mais esse reconhecimento?

Porque não uma renovação dos rostos que se sentam a negociar? Ou transformaram-se em lugares cativos?

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