sexta-feira, 22 de junho de 2018

BARALHAR E TORNAR A DAR

(Financial Times)


Daqui a alguns muitos anos, quando os historiadores se debruçarem sobre os sobressaltos do projeto europeu e da zona euro, irão confrontar-se com a pequena grande história das noites longas e duras de negociação, de empurrar as coisas com a barriga para a frente, de pequenos avanços, da instabilidade segue dentro de momentos, do por agora estamos safos, depois veremos.

Ontem, segundo relatos do meu fiel Financial Times, foi mais uma longa e dura noite para se conseguir um acordo que prepare as condições para o fim do resgate da economia grega, designadamente a data de 2023 para repagamento dos empréstimos recebidos por via do resgate financeiro. Ninguém é capaz ao certo de afirmar se a cada vez mais reduzida margem de manobra política de Ângela Merkel no plano interno terá ou não sido repercutida na dureza das negociações. Mas pelos relatos que foi possível reunir sobre o andamento das negociações. Não serei tão afirmativo como o Comissário Moscovici que proclamava ontem que a crise grega acabou naquela noite histórica no Luxemburgo. O diferimento por 10 anos do pagamento de cerca de 40% do total da dívida grega, algo pelos cem mil milhões, constitui um alívio temporal para a sustentabilidade da divida grega, completado pelo aumento de reservas para os próximos 22 meses e pelo reenvio para a Grécia de uma parte dos lucros obtidos pelos bancos centrais da zona euro com a posse de dívida grega.

Entretanto, credores, credores negócios à parte e a economia grega terá de manter nos próximos anos excedentes orçamentais primários (isto é sem pagamento de juros da dívida) de cerca de 3,5% do PIB, uma brutalidade, tendendo a 30-40 anos a manter-se positivos em redor dos 20%. O que significa que a margem de manobra orçamental dos futuros governos gregos está reduzida ao mínimo, obrigando a uma criteriosa combinação de escolhas públicas, completado ou não pelo afluxo de investimento direto estrangeiro, isso veremos.

Até à próxima perturbação, tudo continuará como dantes, baralharam-se as cartas, mas o jogo continua. Afinal, já se concluiu que o edifício do Euro não está preparado para grandes pressões. Assim, sem reparar os alicerces e as bases da construção, o melhor é ir evitando as tais pressões desmesuradas, de noite em noite, de negociação em negociação e Mário Centeno lá terá mais evidência para as suas memórias.

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