(O artigo de Pacheco Pereira sobre o tema no Público de ontem
leva-me a voltar ao tema. Há pouco contrafactual na ideia de que o
surto turístico no Porto está a destruir a Cidade.)
O meu post sobre o Quiosque é anterior ao
artigo de PP, por isso estou à vontade para reforçar algumas ideias e ajudar a
combater outras.
Para mim é
claro que a decisão da Câmara de Rui Moreira e seus pares de inviabilizar a
continuidade do equipamento é por demais ilustrativa da incapacidade do modelo
que orienta este Executivo de conviver com um Porto alternativo que sempre foi
a sua marca diferenciadora. O que caracteriza acima de tudo as práticas
culturais no Porto é a sua capacidade de funcionar livremente e se for necessário
à revelia da corte, onde quer que ela esteja, em Lisboa ou no Porto. Para mim,
vale muito mais essa capacidade do que a capacidade de acesso de Rui Moreira
aos media para se manifestar contra
Lisboa. A prova de que tenho razão é a proliferação desse Porto alternativo
quando, no legado de Rui Rio na Cidade (personagem que PP sempre apoiou pelo
menos no tempo da sua rebelião contra o FCP e seus interesses), se quis suprimir
os legados anteriores do Porto2001, demasiado à esquerda para o personagem.
Por isso até
aqui o artigo de PP está em linha com a minha interpretação e a sua referência
ao Conceito que retira o Quiosque de um dos sítios mais emblemáticos do Porto
em termos de agitação de ideias e de interclassismo que ainda predomina por
aquelas paragens. Sei do que falo. O meu filho Hugo vive a 100 metros e constato
regularmente que é assim, apesar do surto turístico.
A páginas tantas,
PP socorre-se do Dicionário e ataca com a gentrificação. Para mim, o termo não é
de dicionário, mas antes de urbanismo e desenvolvimento urbano que me interessa.
E por aqui começa a minha discordância. Tenho para mim que à escala do Porto,
quando comparada com as Cidades em que o termo foi cunhado, a gentrificação do Porto
ainda é uma bebé ou menina. Por isso, largamente a tempo de ser contrariada,
acaso a política municipal em vez de desativar quiosques incómodos decida por
fim assumir uma política de habitação que se veja, regulando por essa via o
mercado.
Há por aí um
movimento de gente enfadada, de mal com a vida, que pensa que a Cidade não é
densidade e que gostaria de nela estar como estaria no campo. E que aqui d’El
Rey quando o surto turístico acabar vai ser uma desgraça. Esta gente ainda não
percebeu que uma economia de mercado não é um relógio suíço dos antigos. Nos mercados
convivem a irracionalidade e a mais pura racionalidade económica.
Precisemos
as coisas. A revitalização de algumas zonas do Porto tem o seu início antes do
surto turístico. Também por experiência própria constatei que na zona de S. Lázaro,
Belas Artes, Rodrigues de Freitas e vias perpendiculares a esta a revitalização
começou antes do surto turístico. Que foi reforçada em intensidade após a emergência
do alojamento local disso não tenho dúvidas. Que esse reforço foi fundamental
para atingir uma massa crítica de reabilitação capaz de influenciar o mercado,
também é para mim claro. Que tem de ser regulada e a política municipal pode
fazê-lo parece óbvio.
Mas há uma
outra realidade a ter em conta, que costumo designar de contrafactual (urbano).
Antes do surto turístico o que tínhamos? Declínio, envelhecimento habitacional,
falta de massa crítica de reabilitação. Os meninos e casais endinheirados
preferiam a Foz, as adjacências da Avenida da Boavista, S. João de Brito e
outras paragens. Os tais valores de que PP fala como historiador onde estavam
na altura? Certamente alquebrados, vendo-os do ponto de vista da anomia política
em que a Cidade vivia, depois do ressurgimento de Fernando Gomes, apesar do seu
modelo de Cidade poder inspirar reservas. E mais do que isso, poderemos perguntar:
sem o surto turístico como teria evoluído a Cidade nesse declínio atrás
assinalado? Teria dado a volta sem essa alavanca? Tinha a Câmara força e meios
para suscitar junto do mercado essa reviravolta?
Não entendo
o alarme que por aí vai. A zona em que desaparece o Quiosque do Piorio mantém o
seu interclassismo como o constato regularmente. Os turistas que por aqui ocupam
o alojamento ajustam-se que nem brinco aquele contexto e convivem com ele. A
minha neta Margaridinha sente-se como peixe na água. Gentrificação? Deve ser da
minha miopia que não a vejo. Portugal padece em muitas ciências sociais, como o
urbanismo e outras, de um velho pecado original. Estuda por manuais e artigos
que nascem num contexto que não tem extensão possível ao nosso terreiro dada a
nossa dimensão. Há vinte-trinta anos, as teses de mestrado vomitavam fordismo
como se Portugal estivesse na ponta tecnológica. Algo de semelhante se passa com
a gentrificação. Deixemo-nos de aplicações pacóvias e concentremo-nos no essencial,
regular as exuberâncias irracionais do mercado, neste caso do alojamento local.
E a política municipal que se desunhe e não incomode as dinâmicas alternativas.
Se for capaz disso, claro.
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