Noutro país
de maior dimensão Lídia Jorge teria seguramente uma outra projeção. Mas vive
connosco e com isso transporta as consequências de tudo neste País ser pequeno,
designadamente no amor e reconhecimento pelos seus Artistas. Nas suas obras
mais recentes, os Memoráveis são um contributo precioso para compreendermos a
Revolução de Abril. Mas gosto especialmente do Vento Assobiando nas Gruas, que me
transportou de novo aos ambientes e atmosferas de obras mais antigas como O Dia
dos Prodígios (1978),A Costa dos Murmúrios (1998) ou O Cais das Merendas (1982).
Mas Estuário
é uma obra diferente, diria mesmo de uma nova literatura temática, embora aqui
e ali regresse aquela capacidade única que Lídia Jorge tem de mergulhar no
drama e declínio de famílias que já não se usam. É uma leitura apaixonante que
se devora com intensidade, interrompida por vezes pela necessidade de parar
para recuperar o fôlego e relermos algumas passagens que nos atordoaram.
Estuário consegue
num mesmo todo fascinante integrar numa narrativa comum os problemas da crise
humana indelével que os campos do ACNUR nos oferecem, para os que querem ver e aperceber-se
do sofrimento a que muitos povos e famílias são votados, a degradação ambiental
e planetária e os problemas de uma família (a família Galeano) que agoniza num palacete
de cinco andares no Largo do Campo Santo, onde todos se refugiam depois do
desmoronamento das suas vidas e dos seus projetos. É na descrição dos Galeano
que a memória da pena de José Cardoso Pires nos vem à memória.
Numa manhã
de calor ameno, que o Algarve por vezes nos prazenteia, com o tempo a fluir pelo
simples prazer de estarmos vivos, a leitura corre rápida como uma bebida fresca
se esgota no copo. Com a interrogação de saber se Estuário representa ou não
caminhos novos na obra da escritora algarvia. Intuo que sim mas quem sou para o
dizer.
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