(Cada vez mais estou convencido que não estamos preparados
para ler e lidar com comportamentos de exercício do poder do tipo Trump, com as
consequências que isso acarreta em termos do combate político necessário. Os
desenvolvimentos dos últimos dias dão-me razão e há analistas que o começam a
compreender).
As duas
imagens que abrem este post, a
primeira apresentada segundo um dos muitos ângulos com que surgiu nas redes
sociais, são bem sintomáticas do estilo grotesco-mal-educado com que Trump se
passeia pela cena internacional e das diferenças com a presença convivial e
integradora de Obama.
Esta semana
que corre é bem ilustrativa da imprevisibilidade da governação de Trump e do
seu círculo mais restrito que mantém a sua confiança e nele confia (vale a pena
meditar sobre o ar terrível e ameaçador de Bolton na fotografia do G7). Após
ter explicitamente corroído a já precária agregação do G7, através do Twitter e
já fora da reunião, o que não significa que não volte atrás e reconsidere,
Trump consegue aparentemente, friso bem, aparentemente, um acordo em Singapura
que ninguém de bom-tom e no seu perfeito admitiria como possível há uns meses
atrás num tão curto espaço de tempo. Não imagino que raio de preparação terá
tido esta cimeira em Singapura. Os meios diplomáticos não são conhecidos pela
sua rapidez, precisam do seu tempo para preparar acordos, mas a verdade é que
pelo menos aparentemente o acordo se deu. Os protagonistas fazem-nos desconfiar
da seriedade do gesto e não sei se me espantarei mais com a mudança de Kim se
com a imprevisibilidade de Trump.
Mas, ponto a
ponto, desfaçatez a desfaçatez, lá vamos percebendo que o mundo da política
internacional está virado do avesso, na exata proporção dos rostos dos
restantes líderes do G-7 que olham espantados a atitude desafiadora de Trump.
Salvini, em Itália, que acaba de romper pela primeira vez na história recente a
prática de acolhimento solidário a uma embarcação em dificuldades, é um
expoente do novo mundo. Vá lá que, neste caso, a esse ato de puro ódio,
correspondeu um ato solidário de Pedro Sánchez em Espanha, o qual em pouco
tempo já deu mostras de ter percebido a revolução feminista em Espanha e
afirmar-se na solidariedade europeia.
Tenho para
mim que este estilo errático, desafiador, por vezes brutal, agressivo e ao
arrepio de qualquer sistema de valores democrático e tolerante, que entrou na
política exigirá novas lentes de interpretação. Trump começou com os mais baixos
níveis de popularidade após uma eleição que se conhecem nos EUA, desbaratando
rapidamente o capital de surpresa que suscitou, e sabe-se em que ponto está a
sua popularidade. A sua reeleição não é improvável. O que não é o mesmo que
dizer que o Partido Republicano não esteja ameaçado de corrompimento total das
suas heranças ideológicas, transformando-se eventualmente num Tea Party de chá
azedo e pestilento. Pacheco Pereira tem razão em querer que isto merece
discussão mais aprofundada e, como sempre, é dos EUA que sopram os primeiros
ventos de que há gente à procura de novas lentes para interpretar os
acontecimentos.
A resposta
analítica, com consequências para a abordagem política do Trumpismo, foi tardia
e está ainda a dar os primeiros passos. A entrada de um elefante em loja de
porcelanas produz uma situação que demora algum tempo a estabilizar. O
desmoronamento de equipas que entraram na administração americana pela mão de
Trump, com sucessivas demissões e correções de rota num vai-e-vem constante de
decisões e contra-decisões, tem impedido o real dimensionamento da alteração de
ordem económica internacional pretendida pelo Presidente americano (com a
aliança Trump, Israel e Arábia Saudita a destacar-se, link aqui para um artigo da New Yorker) e dos níveis de
plutocracia e de cleptocracia instalados no poder. Os fenómenos de guerra
comercial e a investida contra o difícil equilíbrio conseguido na Organização
Mundial do Comércio e na regulação das tensões protecionistas é só mais uma dimensão
desse todo, que por vezes é difícil descortinar no aparente caos e arbítrio que
se vai impondo a partir dos EUA.
Iremos,
estamos, a assistir a uma longa luta entre a robustez das instituições democráticas
americanas, sobretudo a sua imprensa de maior independência e qualidade, e os
mundos da plutocracia e cleptocracia feitos poder. Determinados efeitos têm de
produzir-se para que a base eleitoral (minoritária no plano global dos votos em
urna) que levou Trump ao poder comece a visualizar e a sentir na pele quão ilusórios
e trapaceiros são os resultados anunciados das suas políticas. Empresários da
política, profissionais da mediação de teorias económicas falsas (ver meu post
anterior, link aqui), têm-se encarregado de manipular uma larga franja da população
americana mais desqualificada, anunciando a redenção. Economistas sem um mínimo
de pudor e decência têm integrado o séquito. Nesse contexto, só com evidências
que toquem à porta, contrárias à ilusão percebida será possível ir reduzindo a
base eleitoral. E pode fazer-se tarde para isso.
Sem comentários:
Enviar um comentário