quarta-feira, 13 de junho de 2018

IMPREPARADOS



(Cada vez mais estou convencido que não estamos preparados para ler e lidar com comportamentos de exercício do poder do tipo Trump, com as consequências que isso acarreta em termos do combate político necessário. Os desenvolvimentos dos últimos dias dão-me razão e há analistas que o começam a compreender).

As duas imagens que abrem este post, a primeira apresentada segundo um dos muitos ângulos com que surgiu nas redes sociais, são bem sintomáticas do estilo grotesco-mal-educado com que Trump se passeia pela cena internacional e das diferenças com a presença convivial e integradora de Obama.

Esta semana que corre é bem ilustrativa da imprevisibilidade da governação de Trump e do seu círculo mais restrito que mantém a sua confiança e nele confia (vale a pena meditar sobre o ar terrível e ameaçador de Bolton na fotografia do G7). Após ter explicitamente corroído a já precária agregação do G7, através do Twitter e já fora da reunião, o que não significa que não volte atrás e reconsidere, Trump consegue aparentemente, friso bem, aparentemente, um acordo em Singapura que ninguém de bom-tom e no seu perfeito admitiria como possível há uns meses atrás num tão curto espaço de tempo. Não imagino que raio de preparação terá tido esta cimeira em Singapura. Os meios diplomáticos não são conhecidos pela sua rapidez, precisam do seu tempo para preparar acordos, mas a verdade é que pelo menos aparentemente o acordo se deu. Os protagonistas fazem-nos desconfiar da seriedade do gesto e não sei se me espantarei mais com a mudança de Kim se com a imprevisibilidade de Trump.

Mas, ponto a ponto, desfaçatez a desfaçatez, lá vamos percebendo que o mundo da política internacional está virado do avesso, na exata proporção dos rostos dos restantes líderes do G-7 que olham espantados a atitude desafiadora de Trump. Salvini, em Itália, que acaba de romper pela primeira vez na história recente a prática de acolhimento solidário a uma embarcação em dificuldades, é um expoente do novo mundo. Vá lá que, neste caso, a esse ato de puro ódio, correspondeu um ato solidário de Pedro Sánchez em Espanha, o qual em pouco tempo já deu mostras de ter percebido a revolução feminista em Espanha e afirmar-se na solidariedade europeia.


Tenho para mim que este estilo errático, desafiador, por vezes brutal, agressivo e ao arrepio de qualquer sistema de valores democrático e tolerante, que entrou na política exigirá novas lentes de interpretação. Trump começou com os mais baixos níveis de popularidade após uma eleição que se conhecem nos EUA, desbaratando rapidamente o capital de surpresa que suscitou, e sabe-se em que ponto está a sua popularidade. A sua reeleição não é improvável. O que não é o mesmo que dizer que o Partido Republicano não esteja ameaçado de corrompimento total das suas heranças ideológicas, transformando-se eventualmente num Tea Party de chá azedo e pestilento. Pacheco Pereira tem razão em querer que isto merece discussão mais aprofundada e, como sempre, é dos EUA que sopram os primeiros ventos de que há gente à procura de novas lentes para interpretar os acontecimentos.

A resposta analítica, com consequências para a abordagem política do Trumpismo, foi tardia e está ainda a dar os primeiros passos. A entrada de um elefante em loja de porcelanas produz uma situação que demora algum tempo a estabilizar. O desmoronamento de equipas que entraram na administração americana pela mão de Trump, com sucessivas demissões e correções de rota num vai-e-vem constante de decisões e contra-decisões, tem impedido o real dimensionamento da alteração de ordem económica internacional pretendida pelo Presidente americano (com a aliança Trump, Israel e Arábia Saudita a destacar-se, link aqui para um artigo da New Yorker) e dos níveis de plutocracia e de cleptocracia instalados no poder. Os fenómenos de guerra comercial e a investida contra o difícil equilíbrio conseguido na Organização Mundial do Comércio e na regulação das tensões protecionistas é só mais uma dimensão desse todo, que por vezes é difícil descortinar no aparente caos e arbítrio que se vai impondo a partir dos EUA.

Iremos, estamos, a assistir a uma longa luta entre a robustez das instituições democráticas americanas, sobretudo a sua imprensa de maior independência e qualidade, e os mundos da plutocracia e cleptocracia feitos poder. Determinados efeitos têm de produzir-se para que a base eleitoral (minoritária no plano global dos votos em urna) que levou Trump ao poder comece a visualizar e a sentir na pele quão ilusórios e trapaceiros são os resultados anunciados das suas políticas. Empresários da política, profissionais da mediação de teorias económicas falsas (ver meu post anterior, link aqui), têm-se encarregado de manipular uma larga franja da população americana mais desqualificada, anunciando a redenção. Economistas sem um mínimo de pudor e decência têm integrado o séquito. Nesse contexto, só com evidências que toquem à porta, contrárias à ilusão percebida será possível ir reduzindo a base eleitoral. E pode fazer-se tarde para isso.

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