Amanhã estarei na Mar Algarve Expo em Portimão
para uma intervenção num painel sobre oportunidades empresariais na economia do
Mar, na companhia entre outros do amigo Rui Azevedo, que secretaria tecnicamente
os trabalhos do OCEANO XXI (cluster do Mar).
Deixo-vos os tópicos dessa intervenção.
ECONOMIA DO MAR E OPORTUNIDADES EMPRESARIAIS DE
INVESTIMENTO
1. Se do ponto de vista do início de um novo
período de programação com generosos (em massa de recursos) apoios comunitários
ao investimento empresarial faz sentido falar de oportunidades empresariais, já
do ponto de vista do contexto de mercado regional, nacional e europeu /global o
contexto é fortemente constrangedor para a transformação de oportunidades de
investimento em negócios concretos, pressupondo bondosamente que essas
oportunidades já foram identificadas. Por muito que as autoridades europeias,
acolitadas pelas nacionais, tentem fazer esquecer o contexto de estagnação e
deflacionário em que a política macroeconómica europeia nos colocou, essa é a
perceção dos investidores nacionais e europeus. Em Portugal, o investimento
continua a cair, designadamente nas atividades inicialmente (mas não
irredutivelmente) orientadas para o mercado interno, mas não só. Longe vão os
tempos em que o peso da formação bruta de capital fixo como fator de
crescimento económico era em Portugal um dos mais elevados da União Europeia.
Portanto, se alguns economistas se interrogam sobre a falta de dinâmica de
investimento na economia do mar e sugerem até que talvez os discursos
entusiastas sobre as oportunidades económicas do Mar estejam sobrevalorizadas
ou mesmo desfocadas, devemos pedir a esses economistas um esforço de rigor e
não ignorar o constrangedor contexto em que se começou a falar dessas
oportunidades. A economia do mar não é um oásis onde esse efeito constrangedor
não se faz sentir.
2.Depois, como economista do desenvolvimento que
sempre fui com uma abordagem em que os recursos da capacidade empresarial (entrepreneurship) ocuparam sempre um
lugar central, tenho extrema dificuldade em aceitar que os economistas possam
identificar oportunidades de investimento, sejam elas de exceção com forte
intensidade inovadora, ou simplesmente rotineiras capazes de assegurar tão só a
reprodução simples de um negócio, isto é, com fraca capacidade de geração de
lucros e de autofinanciamento. A capacidade de detetar essas oportunidades está
desigualmente distribuída entre os indivíduos e por isso é que o
entrepreneurship é um recurso escasso. Uma vez mais a economia do mar não é uma
exceção. Por que diabo de razão o deveria ser? Se eu próprio fosse uma exceção
não seria provavelmente gestor da Quaternaire Portugal e estaria como
empresário a conduzir um negócio qualquer na economia do mar ou noutro qualquer
cluster da economia portuguesa. Poderão dizer-me que a minha presença aqui,
para além de responder positivamente a um simpático convite e honrar o mesmo,
também pode ser entendida como uma procura de oportunidade de investimento para
uma empresa de serviços, com alguma intensidade de conhecimento. Não andam
longe da razão. Mas isso não significa que os economistas sejam garimpeiros
fiáveis de oportunidades inovadoras de investimento.
3. Se os economistas com a sua informação
privilegiada não são necessariamente (enquanto economistas portadores dessa
informação) detores fiáveis de oportunidades de investimento, o mesmo se poderá
dizer quanto ao Estado. O Estado não é também um garimpeiro de oportunidades de
investimento. Mas conviria alguém esclarecer o primeiro-Ministro que se está
certo nessa afirmação que tanto gosta de produzir que isso não significa que o
Estado se demita de pensar o Mar como oceano de oportunidades. Alguém se
esqueceu de completar o seu conselho económico. E não será seguramente por
discursos tecnicamente fundamentados ou estudos orientados para a ventilação de
oportunidades de investimento que definirá uma política para essa fonte
transversal de oportunidades. Será muito mais pela coerência das diferentes
políticas públicas em termos de valorização da economia do mar e sobretudo pela
transversalidade que o mar venha a ocupar na programação 2014-2020 que o poderá
fazer. Os empresários e investidores não esperam do Governo que os substitua no
exercício insondável de captar uma oportunidade primeiro que outros
investidores. Mas esperam coerência da aposta. Ou seja, uma outra maneira de colocar
uma diferença que muito boa gente tende a ignorar: papel do Estado ≠ peso do
Estado.
4. Os economistas como eu poderão quando muito
compreender por que razão determinadas oportunidades foram identificadas e
concretizadas e outras nunca passaram de bondosas intenções designadamente
fruto da banalização do empreendedorismo como slogan.
5. Há essencialmente duas estratégias de leitura
(não captação) das oportunidades de investimento que um cluster emergente como a economia do mar pode suscitar.
6. Uma, mais representada na literatura, que
poderemos classificar de mais estruturada ou racional e que corresponde a
situar a economia do mar no universo das relações intersectoriais
(inter-industriais). Esta abordagem é mais contexto-dependente, pois depende em
primeiro lugar do fortalecimento do próprio cluster
(ele próprio gerador de oportunidades) e em segundo lugar do próprio contexto
da economia de que estamos a falar, algarvia ou nacional. Se o referencial for
o da economia algarvia não poderemos ignorar que o turismo também tem as suas
patologias do ponto de vista da criação de atividade económica diversificada.
Desenvolveremos daqui a pouco esta via. Aparentemente o mercado não está
presente, mas está. Dificilmente esta lógica é viável no quadro estrito do
mercado interno, por mais pujante que o cluster do Mar possa vir a ser.
7. A outra estratégia de interpretação das
oportunidades abandona o quadro das relações inter-industriais como referencial
e situa-se no mundo das oportunidades da economia global. É claramente menos
contexto-dependente e tudo se resume à identificação de uma oportunidade de
mercado em torno da economia do mar (não nacional mas global) para a qual é
necessário avaliar se temos capacidade de mobilização de recursos para
responder à escala de produção pretendida.
8. As duas abordagens são meramente analíticas e
na prática podem intersetar-se, já que a configuração e estruturação do cluster não pode ignorar a questão do
mercado externo.
9. Quanto à via das relações inter-industriais
como elementos (não exclusivos como é óbvio) de estruturação do cluster, a principal dificuldade está
na estabilização do sistema produtivo central que deve configurar o cluster, ou
seja, o conjunto de atividades produtivas que o devem animar. Esta questão é bem
mais fácil de responder quando se trata de um cluster já estabilizado, com magnitude de interações no seu
interior já relativamente consolidado. Quando a abordagem é voluntarista, isto
é quando o cluster é ele próprio um
resultado da política e se parte de uma configuração incipiente ou simplesmente
emergente, a delimitação do universo de atividades centrais é bem mais
complexa.
10. Pressupondo que conseguimos uma estabilização
mínima desse universo, as oportunidades de investimento situam-se quer para trás
da cadeia produtiva (backward linkages)
e para a sua frente (forward linkages).
11. Nas primeiras, tendo sobretudo a situar as
oportunidades a nível de conhecimento e da sua transformação em tecnologia
incorporável como equipamentos ou simples
devices na economia do mar pura e dura. A robótica marinha como input da exploração de recursos no
oceano profundo e da vigilância marinha de diferentes tipos, a tecnologia de
novos materiais para suporte à fabricação de produtos náuticos de recreio, as
tecnologias para a exploração da energia das ondas ou as bio – nano tecnologias
para a produção de novos produtos a partir de algas marinhas ou mesmo para
conservas mais sofisticadas são exemplos possíveis.
12. Nas segundas atividades, o turismo nas suas
famílias de produtos que e interligam com a economia do mar é um bom exemplo
dos forward linkages de que
falávamos. O turismo é uma atividade que pode “transformar” como inputs
produtos da economia do mar no seu corpo central de atividades.
13. Do ponto de vista dos tipos de enquadramento
das oportunidades de investimento que possamos associar à economia do mar, as
estratégias regionais de especialização inteligente (as tão faladas RIS 3, em
que também o Algarve teve de definir uma estratégia para a programação 2014-2020)
constituem outra abordagem que se cruza com a representação do cluster do mar nas atividades
económicas da Região.
14. Algumas notas sobre RIS 3 Algarve e
oportunidades de investimento na economia do mar
Na sua versão mais recente disponível, a RIS 3
Algarve situa o Mar/Pescas/Aquicultura e o Turismo/Lazer como vetores
consolidados da estratégia regional de especialização inteligente, aos quais se
juntam os domínios emergentes do agro-alimentar e floresta, das TIC e
indústrias criativas, das ciências da vida/saúde/recuperação e das energias
renováveis. É importante assinalar que entre os próprios domínios consolidados,
mar e turismo, existe interação efetiva, pelo menos na parte da fileira
turística que mantém com o mar uma relação mais estreita. Como vimos
anteriormente, o turismo usa o mar como recurso o que constitui um caso típico
de forward linkage do cluster do mar
face às suas atividades nucleares. É interessante notar ainda que entre os
domínios emergentes, sobretudo o agro-alimentar, as TIC e indústrias criativas
e as energias renováveis são também expectáveis interações produtivas com as
atividades centrais do cluster do mar, podendo mesmo contribuir para a sua
densificação.
15. Ora, sendo conhecido que a RIS 3 Algarve será
determinante para definir as prioridades na atribuição dos apoios ao
investimento das PME no próximo Programa Operacional Regional Algarve
2014-2020, o Mar terá também por esta via um elemento de enquadramento
favorável para a concretização de oportunidades empresariais, neste caso por
via de diferentes formas de financiamento (diversidade de sistemas de
incentivos). A questão do financiamento é uma das dimensões do apoio à
concretização de oportunidades empresariais e deve aqui ser recordada o intenso
debate que atravessa a União Europeia e que também tem validade em Portugal
sobre as dificuldades reais de fazer chegar a oferta de liquidez do BCE às PME.
Como sabem esse debate oscila entre a acusação à oferta de crédito de não estar
a corresponder aos esforços do BCE (devido essencialmente aos problemas dos
balanços dos bancos pós crise de2008 e à necessidade de corrigir imparidades) e
o reconhecimento de que há também uma inibição da procura de crédito gerada
pela estagnação e perda de confiança por parte dos empresários.
16. Finalmente, mantendo-me ainda no quadro de
reflexões de enquadramento facilitador das oportunidades empresariais de
investimento na economia do Mar, gostaria de vos salientar que ela está também
presente nas preocupações da estratégia de desenvolvimento assumida pela
Associação de Municípios do Algarve (AMAL) que alinha com a estratégia regional
Algarve 2020 a concretizar por via do PO Regional Algarve 2014-2020.
17. A estratégia AMAL foca-se em seis prioridades
estratégicas:
A. Diversificação da base económica da Região
B. Alargamento da base territorial e de ativos
(recursos) para a competitividade
C. Promoção do desenvolvimento socioeconómico de
base local como instrumento-chave da coesão social e territorial
D. Valorização da eco-eficiência e da economia de
baixo carbono ao nível dos sistemas urbanos e territoriais
E. Maximização territorial e ambiental dos
recursos provenientes do Fundo de Coesão
F. Capacitação do tecido institucional e reforço
dos modelos de governança
18. A economia do mar estará sobretudo presente
na prioridade A e tem a si dedicado um objetivo específico – Criar condições
infraestruturais e logísticas locais favoráveis à emergência e acolhimento de
novas atividades de valorização económica de recursos marinhos e da economia do
mar em geral. A ventilação dos projetos municipais em formação à luz desta
prioridade permite reconhecer sobretudo intervenções infraestruturais de apoio
à pesca e aquicultura e à animação marítimo-turística. Entre as condições
infraestruturais de facilitação que os municípios terão em preparação
destacam-se por exemplo os viveiros de empresas para a formação de pequenos
negócios de suporte às atividades nucleares do cluster.
Obrigado pela vossa atenção!
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