(Construção própria a partir de OECD Regions at a Glance , 2013)
Focado na conferência inaugural da Associação
Nacional de Municípios sobre a inacabada
organização territorial do Estado em Portugal, deixo-vos a sinopse de três
intervenções programadas: a do Professor António Cândido de Oliveira, a do
Professor João Ferrão e a minha, não podendo antecipar qual será a intervenção
do secretário-geral do Conselho de Municípios e Regiões da Europa (CMRE).
Sinopse intervenção de António Cândido de
Oliveira
“A organização
territorial do Estado é um problema em aberto no nosso país. É certo que a Constituição
da República de 1976 ao mesmo tempo que estabeleceu em Portugal um Estado de
direito democrático, unitário mas descentralizado, definiu essa organização de uma forma bem
clara. Na base e por todo o território
nacional estabeleceu freguesias e municípios. No continente europeu criou
regiões administrativas e nos arquipélagos dos Açores e da Madeira regiões
autónomas. No topo manteve o Estado-Administração, tendo como órgão superior o
Governo.
Cerca de 40 anos
depois, as freguesias e os municípios estão consolidadas como entes de
administração local autónoma (as primeiras eleições democráticas ocorreram em
12 de dezembro de 1976), as regiões autónomas dos Açores e da Madeira funcionam
desde o mesmo ano (eleições de 27 de
junho de 1976) e o Estado-Administração mantem a sua secular atividade,
tendo o primeiro governo constitucional resultado das eleições de 25 de Abril
de 1976. Faltam apenas as regiões administrativas.
O edifício
constitucional da organização territorial do Estado ficou assim incompleto e
não se vê forma de o concluir. Há um desfasamento entre a Constituição e a
realidade que importa enfrentar abertamente. Seria um erro pensar que o
problema é de fácil solução. Há uma clivagem em Portugal entre defensores e
adversários da regionalização que importa ter em conta e procurar solucionar de
forma democrática. E a forma democrática exige que se opere um debate entre as
duas correntes que conduza a uma decisão em pé de igualdade. Ora, essa
igualdade não existe atualmente. Temos o paradoxo de uma Constituição que, ao
mesmo tempo que ordena a criação de regiões administrativas, introduziu, em
1998, um mecanismo de criação das mesmas (referendo obrigatório de duplo
efeito) que as inviabiliza. O Professor Marcelo Rebelo de Sousa, principal
responsável pela introdução desse mecanismo na Lei Fundamental escreveu a esse
propósito o seguinte: “É mesmo difícil conceber regime constitucional mais
convidativo a uma rejeição de qualquer divisão regional do Continente” (Lições
de Direito Administrativo, vol. I, 1999, p. 401). Esta situação não deve
manter-se, bastando para tal que a Constituição não ordene nem proíba a
regionalização ou outra forma de organização territorial a nível supramunicipal.
Seria redutor,
entretanto, considerar que em Portugal existe apenas este problema da
organização territorial do Estado. Este tema convoca-nos para outras discussões
que importa fazer com a liberdade que é própria dos regimes democráticos.
Enunciemos alguns.
As freguesias
devem fazer parte da nossa organização administrativa ou devem ser delas
retiradas como se defendeu nomeadamente em fins do século XIX (1892) e defendem
hoje alguns? E qual o papel que elas devem ter a manterem-se? Que balanço se
pode começar a fazer da reforma territorial de 2013?
E quanto aos
municípios? Temos efetivamente municípios a mais? Ou a menos? A que título
impedir a criação de novos municípios, sem mais, ou seja, sem discutir essa
possibilidade? E quanto à sua redução, qual o critério a seguir? Ou será melhor
manter tudo como está?
E ainda quanto
ao nível supramunicipal: qual a razão para impedir a existência como autarquias
locais do distrito ou da província ou mesmo destas figuras novas das
comunidades intermunicipais? Sabemos que há, neste momento, um obstáculo
constitucional, pois só estão previstas regiões administrativas. Mas por que
há-de manter-se esse obstáculo?
A Constituição
não é intocável em matéria de organização territorial do Estado e o que se pede
é que este tema seja amplamente discutido
para que na altura de uma próxima revisão constitucional não se faça um
simulacro de debate sobre a matéria com posições políticas de circunstância a
sobreporem-se a estudos feitos em devido tempo.
É para esse
debate e para esses estudos que estamos convocados em nome da boa administração
pública e da democracia.”
Sinopse da intervenção de João Ferrão
A organização territorial do
estado e as geografias das políticas públicas
A organização
territorial do estado será analisada na ótica do desenvolvimento das várias
fases do ciclo das políticas públicas (conceção, execução, monitorização e
avaliação) tendo por base uma visão de multigovernança, os princípios da
subsidiariedade e da parceria, e os critérios de eficiência, equidade e
sustentabilidade. Como enquadramento, serão apresentados alguns mapas que
permitem colocar em contexto a realidade portuguesa face aos restantes países
da União Europeia.”
A minha própria sinopse
Organização Territorial do
Estado: uma perspetiva da economia e do desenvolvimento económico
“O autor analisa o
“mistério” do não completamento do modelo de organização territorial do Estado
(OTE) estabelecido pela Constituição Portuguesa no âmbito de uma abordagem
popularizada pelas ciências da organização como a perspetiva do “reflective
practitioner” (Donald Schӧn, 1983; Chris Arghiris, 1996). Combinando
investigação sobre territorialização de políticas públicas e uma prática de
planeamento do desenvolvimento, parte da inexistência de uma consciência
regional fortemente identitária num Portugal de pequena dimensão mas com grande
diversidade de capital social e cultural para descrever o círculo vicioso
potencial em que se caiu : a ausência de consciência regional identitária tende
a enfraquecer a criação do nível regional da OTE e como esta não avança a
consciência regional não tem qualquer mecanismo que a estimule.
Para além de uma introdução
em que se situa a abordagem proposta (capítulo primeiro), o artigo está
dividido em três capítulos.
O segundo capítulo
desenvolve uma explicação para a permanência da inacabada OTE que tem a
reproduzir-se ao longo de sucessivos ciclos políticos. A explicação centra-se
no modelo “poder centralizado forte e resiliente essencialmente determinado
pelo facto do Estado ter precedido a Nação (José Mattoso, 2001) – incipientes
regiões de planeamento – municípios fortes com poder de influência mais que
proporcional à muito baixa percentagem de despesa pública que movimentam”. O
autor tenta demonstrar que, face ao efeito-tenaz (Figueiredo, 2010 e 2012)
enfrentado pelos municípios, sobretudo após a crise de 2007-2008 e seus
desenvolvimentos e face às transformações significativas do modelo económico de
afetação de recursos na economia portuguesa, este modelo atravessa uma
significativa tensão que aponta para a existência de quadros supranacionais de
racionalização do investimento público.
O terceiro capítulo explora
a tensão referida no parágrafo anterior, analisando as diferentes tentativas
(não conseguidas) de inscrição ascendentemente voluntária do nível
supra-municipal como espaço de racionalização territorial do desenvolvimento
económico, largamente influenciadas pela engenharia institucional que vem
acompanhando os sucessivos períodos de programação de Fundos Estruturais em
Portugal, dos quais as políticas públicas perigosamente dependem cada vez em
maior intensidade.
Finalmente, no quarto
capítulo, o artigo desenvolve alguns princípios e orientações possíveis para
repor na agenda política o nível regional (completamento da OTE
constitucionalmente prevista), não deixando de comparar essa via com a do
aprofundamento da territorialização de políticas públicas que o autor tem vindo
a trabalhar (Figueiredo, 2010; Figueiredo e Babo, 2014).”
Deixo-vos entretanto com dois gráficos que
emergiram ao longo da minha preparação para a conferência.
O gráfico que abre o post é bem revelador do “grau
zero da descentralização em Portugal”. Portugal sem regiões consegue ter
percentagens de despesa pública realizada pelo nível subnacional de governação
inferiores ao de países com regiões fortes (Áustria, Bélgica, Alemanha,
Espanha).
O gráfico acima compara essa percentagem com o
peso da despesa subnacional no PIB.
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