Não era necessário ser-se analista político de
eleição para compreender que a via sacra do PS desencadeada pelas primárias
para candidato a primeiro-ministro, mesmo que minimizada pela esclarecedora
vitória de António Costa, não era solução que se recomendasse para gerar uma
alternativa política mobilizadora, algo que criasse uma embalagem de vitória
para 2015.
As evidências de toda a trajetória posterior aos
resultados de 28 de setembro confirmam essa crónica anunciada e mesmo uma
desajeitada maioria como a que atualmente diz que governa não teria
dificuldades em explorar o desatino em que António José Seguro (AJS) com a sua
proposta colocou a ambicionada alternativa mobilizadora.
Qual eremita com problemas de fé, AJS encontrou
no refúgio de umas providenciais aulas um tempo precioso de abafar de penas e
terá saído de circulação. A penosidade do trajeto que as primárias imprimiram
era já por si só fator de desvantagem na transição política do PS e por isso
seria de esperar que os novos protagonistas não a tornassem ainda mais penosa.
Mas o sadomasoquismo do PS parece não ter limites e nos últimos dias parece
haver gente apostada em tornar mais difícil a travessia ou transição, numa
espécie de auto-flagelação tornando ainda mais pesada a cruz que se transporta
e as agruras do caminho.
É para mim também uma crónica anunciada que no
grupo parlamentar do PS há demasiada gente com demasiados problemas de
consciência e de culpa em relação à governação de José Sócrates. O próprio
António Costa é talvez o que lida melhor com essa provação, mas não está no
grupo parlamentar. Tudo isso fruto de não ter sido feita em tempo oportuno uma
avaliação crítica do que foi feito e não feito. A não sublimação, transferência
ou resolução desses problemas de avaliação em tempo oportuno tornam a bancada
demasiado vulnerável a qualquer provocação da maioria.
O debate em plenário hoje realizado do Orçamento
de Estado na Assembleia da República é a confirmação dessa crónica anunciada e
se o ausente AJS seguiu com atenção as incidências do debate deve ter-se
rebolado de riso com a forma infantil e algo masoquista com que o PS se deixou
envolver com o passado José Sócrates. O debate terá contribuído para AJS abafar
senão minorar as suas penas e de mal o menos serviu para isso, já que para
gerar a tal alternativa mobilizadora vou ali e venho. A escassez de nomes no PS
que possam animar uma transição capaz de realizar a tal visão crítica do
consulado de Sócrates e das suas pérfidas influências brada aos céus e seria de
esperar que homens com a experiência política de Ferro Rodrigues e Vieira da
Silva fossem mais consistentes a olhar para o futuro do que a deixar-se prender
pelo passado. Mas não foi assim, antes pelo contrário e uma desconjuntada
maioria sai ilesa senão vencedora do debate travado.
E para complicar as coisas o próprio António
Costa deixou-se também envolver numa pouco hábil controvérsia com o Governo em
torno dos Fundos Comunitários. Não compreender que a execução do QREN se joga
até 31 de dezembro de 2015 e não até 31 de dezembro de 2013 é coisa que não
lembraria ao mais desavisado homem de estado. Mas em meu entender isso não é o
mais grave. Cavalgar a taxa de execução dos Fundos Comunitários também não me
parece muito avisado. Não é necessário perder muito tempo para compreender que
os problemas centrais da programação em Portugal não são de execução, mas sim de
coerência e consistência das apostas de investimento em que essa execução se
concretiza. Bem sei que do ponto de vista da inércia política em Portugal é
sempre mais gravoso declarar que um euro de financiamento comunitário não foi
executado do que concluir que mil euros executados foram mal investidos e pouco
eficazes a produzir resultados. Mas também aqui se esperaria de António Costa
um contributo para quebrar essa inércia e a tal preguiça dos jornalistas que se
esfalfam a denunciar a não execução e ignoram olimpicamente a má execução. E o
que é intrigante é que não escasseiam as fragilidades da maioria seja na
concretização do QREN seja na preparação do novo período de programação, logo
matéria bem mais sólida para combate político eficaz e contundente. Por
exemplo, uma matéria da qual a maioria tem passado incólume é o efeito
pernicioso que a austeridade gerou na incapacidade das empresas concluírem
projetos de financiados cofinanciados e também a incapacidade orçamental para
libertação de fundos de contrapartida nacional para investimento público
cofinanciado.
Sem comentários:
Enviar um comentário