A imprensa do fim-de-semana constitui sempre uma
oportunidade para clarificar as tendências de opinião na sociedade portuguesa
acerca dos rumos do nosso presente e futuro, neste caso particular com foco no
orçamento geral do estado apresentado na Assembleia da República. A dinâmica de
opinião e de notícias dos últimos três a quatro dias não foge a essa regra e as
regularidades emergem de modo cristalino.
É cada vez mais notório que a sociedade
portuguesa tende a dividir-se em três grandes grupos aos quais é difícil senão
impossível fazer corresponder uma dimensão sociológica clara.
O primeiro grupo é constituído pelo que designo
de figurões direta ou indiretamente relacionados com os interesses da captura
do Estado, captura que caracteriza marcadamente a débil expressão do capitalismo
em Portugal, sobretudo no contexto da sua recomposição após a revolução de
abril de 1974 e concomitante destruição ou pelo menos decomposição dos
principais grupos empresariais. Esses figurões tanto estiveram presentes na
captura de interesses que a tentativa política de fazer da PT uma empresa
global gerou, como o estão agora na sua venda provavelmente ao desbarato a um
grupo (ou coisa que o valha) francês de quinta categoria. Estarão também entre
os que se comovem com a pretensa inocência dos Espírito Santo ou que se
preparam para mudar de agulhas face a uma possível alternância democrática. O
que preocupa neste grupo é a crescente probabilidade de vermos parte da
comunicação social tolhida pela sua influência, incapaz de raciocinar com a
devida dimensão das coisas. A imagem talvez viral do tijolo e do berlinde
lançada por Pacheco Pereira no último Quadratura do Círculo representa esse
alerta para os perigos do não dimensionamento dos problemas, admitindo que a
novidade se compara ao peso da realidade. E quem é que, senão a comunicação social,
reproduz o não dimensionamento rigoroso das coisas, dando atenção ao que é
pontualmente novidade e remetendo para o esquecimento as agruras da realidade?
O segundo grupo é a mancha imensa dos que Vasco
Pulido Valente (numa das suas raras crónicas sempre rigorosas mas não azedas)
designava no sábado como sendo as “pessoas que percebiam ainda que, para lá do
sofrimento pessoal, a “depressão” lhes roubava o que nunca lhes poderia voltar
a dar: o tempo perdido. Cinco, seis, sete anos da vida que tinham imaginado
para si.” O futuro da democracia portuguesa estará nos próximos tempos
irremediavelmente associado ao comportamento deste grupo fortemente heterogéneo
(embora com forte peso da classe média), que tanto poderá evoluir para uma
anomia assumida e crescente desinteresse e desconfiança para com os mecanismos
da intervenção democrática e os seus atores mais representativos como para uma
intervenção crítica e regeneradora das principais forças políticas, Não sabemos
hoje ainda que intensidade de efeitos perversos que o pós 2011 irá gerar na
sociedade portuguesa em termos de anomia social e desconfiança neste grupo fortemente
representativo.
O terceiro grupo é constituído por aqueles cuja capacidade
de iniciativa, entusiasmo e motivação não passa pelo círculo mais ou menos
alargado da captura dos interesses do Estado, onde se destacam empresários de
PME que estão a fazer a sua longa conquista dos mercados externos, animadores e
empreendedores sociais que têm contribuído para manter níveis aceitáveis de
capital social, jornalistas e intelectuais que não vendem a alma e a razão aos “marketers” da ilusão social e da
propaganda, agentes culturais que ajudam a manter níveis de capital cultural nos
territórios, professores que não desistem perante a irracionalidade à solta da
sua tutela, profissionais do sistema nacional de saúde que o ajudam a manter
apesar da pressão das contas públicas.
Tenho para mim que uma alternativa democrática de
futuro para Portugal passará muito pelo estabelecimento de laços entre o
segundo e o terceiro grupo, aos quais algum projeto político terá de dar
expressão. No fundo, uma estratégia simples que consistirá em combater ao máximo
a anomia do segundo e a potenciar a generosidade, profissionalismo e empenho do
terceiro.
Sem comentários:
Enviar um comentário