Era aguardado há mais de onze anos um novo romance do escritor checo-francês Milan Kundera (MK). Como bem resulta da síntese das sínteses acima reproduzida, não se trata de uma obra estruturante do autor de “A Insustentável Leveza do Ser”, nem tal seria obviamente de esperar nesta fase de uma existência que já conta 85 anos. Mas é um livro conseguido, tão leve e divertido quanto inteligente e irónico – não foi, aliás, o próprio MK quem definiu o romance como a arte irónica? E que assim o justificou: “a sua verdade é escondida, não pronunciada, não pronunciável”?
A primeira menção à insignificância surge a propósito da inutilidade, e mais do que isso, da nocividade de ser brilhante. Assim: “Quando um tipo brilhante tenta seduzir uma mulher, esta tem a impressão de entrar em competição. Sente-se obrigada a brilhar também. A não se oferecer sem resistência. Enquanto que a insignificância liberta-a. Livra-a de precauções. Torna-a despreocupada e, portanto, mais facilmente acessível.”
Depois, vem a deliciosa história das “vinte e quatro perdizes” de Estaline e a “ternura desconhecida” deste por Kalinine, surgem “os desculpadores” e “os anjos”, aparece uma “jovem portuguesa” (a bela criada Mariana) e umas conversas trocadas entre o português e o paquistanês, aborda-se “o mundo segundo Schopenhauer” e a “representação e vontade” únicas impostas por Estaline, passa-se por “um caçador e um mijador” e tantas coisas mais, concluindo-se com “a festa da insignificância”. E lê-se: “Atualmente, a insignificância surge-me de um modo completamente diverso do que então, sob uma luz mais forte, mais reveladora. A insignificância, meu amigo, é a essência da existência. Está connosco sempre e em toda a parte. Está presente mesmo onde ninguém a quer ver: nos horrores, nas lutas sangrentas, nas piores infelicidades. Exige-se-nos muitas vezes coragem para a reconhecer, é preciso amá-la, à insignificância, é preciso aprender a amá-la. Aqui, neste parque, diante de nós, olhe, meu amigo, ela está presente em toda a sua evidência, em toda a sua inocência, em toda a sua beleza. Sim, beleza. Como você mesmo disse: a animação perfeita... e completamente inútil, as crianças que riem... sem saber porquê, não é belo? Respire, D’Ardelo, meu amigo, respire esta insignificância que nos rodeia, ela é a chave da sabedoria, ela é a chave do bom humor...”. Puro talento!
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