segunda-feira, 27 de outubro de 2014

O PROBLEMA ALEMÃO

(Simon Wren-Lewis, Oxford University)


Do ponto de vista macroeconómico e não como o resultado de qualquer preconceito político relativo à coligação que governa atualmente a Alemanha, o chamado problema alemão tem vindo a ganhar uma progressiva expressão na literatura macroeconómica. O problema alemão assume hoje uma dupla natureza. Em que é consiste?
A dimensão mais conhecida é a que pende sob a forma de libelo acusatório sobre as autoridades alemãs (não apenas de observadores exteriores mas também de economistas alemães aos quais a imprensa nacional não tem concedido o devido destaque) de não desempenhar a função compensatória de relançamento da atividade económica europeia, fortemente penalizada pelo efeito recessivo que as teses da austeridade punitiva infligiram às economias endividadas do sul. As autoridades alemãs não têm sido muito convincentes na forma como afastam o seu papel de motor compensatório e, ainda há dias, o inenarrável Schäuble dizia todo ladino que crescimento sim, mas não a crédito. Referi-me aqui a essa afirmação como uma tola tentativa de inventar um capitalismo sem crédito. Schumpeter revolver-se-á certamente no túmulo ao escutar tanta imbecilidade económica.
Mas uma segunda dimensão de perspetiva crítica tem vindo a emergir e consiste em desancar a política macroeconómica alemã do ponto de vista do próprio modelo de crescimento alemão. E trata-se sobretudo dos efeitos e sinais dinâmicos que a política macroeconómica oferece aos agentes económicos ao validar um crescimento em que o crescimento dos salários tem sido inferior ao da produtividade. Do ponto de vista das escolhas de combinações de fatores, esta opção por um esmagamento dos salários abaixo do crescimento da produtividade é profundamente nefasta a uma lógica de inovação, aliás agravada pela invenção alemã dos mini-jobs, através da qual o emprego jovem é remunerado segundo o padrão da precariedade e dos baixos salários. Esta prática tem sido proclamada pelos franceses como um exemplo crasso de dumping social, imagine-se feito não por asiáticos mas pelo motor da economia europeia.
Simon Wren-Lewis tem como sempre uma peça rigorosa sobre esta matéria e do post ressalta sobretudo a forma como as duas críticas à atuação alemão se imbricam uma na outra. Numa União Monetária, uma economia que valida através da sua política macroeconómica um crescimento salarial abaixo da produtividade está na prática a realizar uma política de “beggar my neighbour”, ou seja de penalizar consciente e agressivamente os seus parceiros de União Monetária. E isto é que parece que os alemães se recusam a compreender. Sabemos que a fobia inflacionária (historicamente comprovada ninguém o escamoteia) dos alemães os faz duvidar permanentemente do relançamento fiscal e até monetário das economias. Mas se os alemães têm direito a invocar essa fobia, também os europeus estão no direito de invocar o expansionismo alemão agora travestido de uma política de beggar my neighbour.

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