Cansado por uma viagem à Lourinhã para estudar a
hipótese de uma ajuda técnica ao relançamento da Aguardente da Lourinhã (DOC –
Denominação de Origem Controlada) que aspira a um protagonismo inspirado pelos
produtos ARMAGNAC e COGNAC (como é estimulante esta vida de consultor!) e
seduzido por um fim de noite em que a Quadratura do Círculo e o viciante
MIDSOMER MURDERS na Fox Crime ocupavam o tempo disponível (as madrugadas de
vigília intelectual já lá vão há que tempos), deu gazeta ao blogue e o
Quadratura bem merecia uma reflexão sobre a discussão aí travada.
Devo reconhecer, e não estou particularmente
preocupado com isso, que relativamente ao tema em discussão, a presença ou
ausência do Estado em algumas empresas ou projetos entendidos como de interesse
estratégico nacional, estou mais perto em termos de posicionamento de Lobo
Xavier e Pacheco Pereira do que de António Costa.
Em primeiro lugar, sobretudo devido à
incompetente e maléfica política de privatizações deste governo, a discussão em
causa arrisca-se a ser uma querela simplesmente académica. Completar
privatizações no domínio da energia, da rede elétrica, da gestão dos aeroportos
sem ter concluído legislação de orientação estratégica dessas privatizações e
concretizar tais processos exclusivamente guiado por uma perspetiva de retorno
financeiro imediato diz bem da irresponsabilidade governativa. Sabemos aliás
que o primeiro-ministro transforma essa irresponsabilidade numa cândida convicção
de que o Estado não se deve meter em certas coisas. Resultado estamos a
caminhar vertiginosamente para que o arguto José Félix Ribeiro designa de
feitoria chinesa e bem pode o senhor Pingo Doce martirizar-se dizendo que não
gosta dos investimentos chineses, pois quando se trata de se chegar à frente e
acenar com capital fresquinho o tal desejado investimento não aparece,
provavelmente mais interessado noutras paragens.
Devido a este enquadramento, o debate parece
estar para já limitado à TAP e à PT, mesmo assim como alvos diferenciados,
sobretudo a partir do momento em que esta última se apresenta em adiantado
estado de decomposição de projeto estratégico.
Quanto à PT, estou bem mais próximo de António
Lobo Xavier (ALX) e não me move qualquer recriminação pelo facto de ter
abortado em tempos a proposta de aquisição em bolsa da PT por parte da SONAE.
ALX tem a meu ver profunda razão quando associa a história da decomposição da
PT (agravada por um inacreditável nepotismo de gestão reverencial ao acionista
BES – Família Espírito Santo) a uma infeliz e errada intervenção do Estado na
tal ambicionada criação de uma empresa global (para a lusofonia?). Continuo a
pensar que para uma economia como a portuguesa, mesmo tendo em conta a dimensão
da diáspora (que, convém não esquecer, não funciona como tribo, como outras diásporas), a criação de empresas globais sem a cooperação
de players internacionais com
dimensão para o fazer pode conduzir a verdadeiros flops de investimento público. Este facto é agravado pela sofisticação
tecnológica do setor e pela sua rápida transformação, sendo particularmente
difícil a existência de conhecimento público permanentemente atualizado sobre a
matéria de modo a suportar tecnicamente a decisão. Depois, ALX está
particularmente certo ao ser o único a sublinhar que o projeto de criação de um
campeão nacional internacionalizado na área das telecomunicações terá conduzido
a uma vasta destruição de recursos empresariais e de conhecimento na área das
telecomunicações, sobretudo pelo efeito que o apoio explícito à PT terá
provocado na inviabilização de negócios alternativos que poderiam ter conduzido
esta última a um ambiente de concorrência interna bem mais estimulante do que o
que foi gerado. Sou particularmente sensível ao argumento de ALX, até porque os
efeitos inicialmente previstos de estímulo da existência da PT à criação de
centros de recursos estratégicos de conhecimento acabaram por ser um flop total, visível sobretudo quando a
PT começou a deixar finar o seu Instituto de Inovação em Aveiro. Rapidamente os
interesses da “linha” capturaram o projeto e deixou de ser um projeto
mobilizador de âmbito nacional. Apesar disso, há sempre candidatos remotos a
apanhar algumas migalhas. Será isso que talvez explique este último honoris causa a Zeinal Bava pela
Universidade da Beira Interior, em timing
precioso, ou seja com a PT a desconjuntar-se em bolsa, talvez a pensar no call-center da Covilhã, onde talvez a
UBI esteja a colocar alguns licenciados (visão estratégica de largo alcance,
como se pode antever!).
Meus amigos de PT estou conversado. Acho que
Félix Ribeiro tem razão. Empresas globais com players globais e não com novo-riquismo da lusofonia. Penetrar
nesses mercados é uma coisa, fazer dessa penetração algo de estratégico para a
economia global é coisa diferente, desculpem, mas o mundo mudou e a nossa
pequenez acentuou-se. Para além disso, entre o nacional-porreirismo e afetividade
sem limites da nossa aproximação ao Brasil e a sua transformação em estratégia
negocial vai uma longa distância.
Falemos agora da TAP. Bom admitamos que a
bandeira TAP pode corresponder a um recurso estratégico nacional. Escrutinemos
essa opção. Pergunto por exemplo se para agarrar o mercado brasileiro foi de
interesse estratégico nacional comprar no Brasil uma empresa de manutenção de
aeronáutica que tem sido um alfobre de prejuízos acumulados na empresa? ALX tem
razão neste caso ao alertar para o facto do enquadramento gestionário da TAP
ser fortemente influenciado pela legislação comunitária. Com maioria pública de
capital terá a TAP a margem de manobra comunitária para se apetrechar à medida
da sua ambição de mercado? Com minoria de capital público, terá a TAP condições
para atrair o investimento privado necessário para o seu apetrechamento? Que
condições mínimas incompressíveis de serviço deve a TAP assegurar para garantir
o referido desígnio estratégico nacional? É possível transformar essas condições
mínimas em compromisso passível de ser transparentemente comunicado aos
Portugueses para escrutínio democrático num programa eleitoral?
Para mim, é tudo uma questão de escolhas públicas
e não de posicionamento doutrinário ou ideológico à partida. Os cenários da TAP
maioritariamente pública ou privada não se definem isoladamente. Só num quadro
de escolhas públicas claras tem sentido esse pronunciamento e essa avaliação.
Entendamo-nos. Abdicarei com facilidade da bandeira estratégica nacional TAP se
me disserem que isso é incompatível com libertação de recursos para almofadas
sociais mínimas ou para investimentos na educação. Conviria sermos claros
nestas questões.
Sem comentários:
Enviar um comentário