sexta-feira, 24 de outubro de 2014

MAIS PERTO DE LOBO XAVIER



Cansado por uma viagem à Lourinhã para estudar a hipótese de uma ajuda técnica ao relançamento da Aguardente da Lourinhã (DOC – Denominação de Origem Controlada) que aspira a um protagonismo inspirado pelos produtos ARMAGNAC e COGNAC (como é estimulante esta vida de consultor!) e seduzido por um fim de noite em que a Quadratura do Círculo e o viciante MIDSOMER MURDERS na Fox Crime ocupavam o tempo disponível (as madrugadas de vigília intelectual já lá vão há que tempos), deu gazeta ao blogue e o Quadratura bem merecia uma reflexão sobre a discussão aí travada.
Devo reconhecer, e não estou particularmente preocupado com isso, que relativamente ao tema em discussão, a presença ou ausência do Estado em algumas empresas ou projetos entendidos como de interesse estratégico nacional, estou mais perto em termos de posicionamento de Lobo Xavier e Pacheco Pereira do que de António Costa.
Em primeiro lugar, sobretudo devido à incompetente e maléfica política de privatizações deste governo, a discussão em causa arrisca-se a ser uma querela simplesmente académica. Completar privatizações no domínio da energia, da rede elétrica, da gestão dos aeroportos sem ter concluído legislação de orientação estratégica dessas privatizações e concretizar tais processos exclusivamente guiado por uma perspetiva de retorno financeiro imediato diz bem da irresponsabilidade governativa. Sabemos aliás que o primeiro-ministro transforma essa irresponsabilidade numa cândida convicção de que o Estado não se deve meter em certas coisas. Resultado estamos a caminhar vertiginosamente para que o arguto José Félix Ribeiro designa de feitoria chinesa e bem pode o senhor Pingo Doce martirizar-se dizendo que não gosta dos investimentos chineses, pois quando se trata de se chegar à frente e acenar com capital fresquinho o tal desejado investimento não aparece, provavelmente mais interessado noutras paragens.
Devido a este enquadramento, o debate parece estar para já limitado à TAP e à PT, mesmo assim como alvos diferenciados, sobretudo a partir do momento em que esta última se apresenta em adiantado estado de decomposição de projeto estratégico.
Quanto à PT, estou bem mais próximo de António Lobo Xavier (ALX) e não me move qualquer recriminação pelo facto de ter abortado em tempos a proposta de aquisição em bolsa da PT por parte da SONAE. ALX tem a meu ver profunda razão quando associa a história da decomposição da PT (agravada por um inacreditável nepotismo de gestão reverencial ao acionista BES – Família Espírito Santo) a uma infeliz e errada intervenção do Estado na tal ambicionada criação de uma empresa global (para a lusofonia?). Continuo a pensar que para uma economia como a portuguesa, mesmo tendo em conta a dimensão da diáspora (que, convém não esquecer, não funciona como tribo, como outras diásporas), a criação de empresas globais sem a cooperação de players internacionais com dimensão para o fazer pode conduzir a verdadeiros flops de investimento público. Este facto é agravado pela sofisticação tecnológica do setor e pela sua rápida transformação, sendo particularmente difícil a existência de conhecimento público permanentemente atualizado sobre a matéria de modo a suportar tecnicamente a decisão. Depois, ALX está particularmente certo ao ser o único a sublinhar que o projeto de criação de um campeão nacional internacionalizado na área das telecomunicações terá conduzido a uma vasta destruição de recursos empresariais e de conhecimento na área das telecomunicações, sobretudo pelo efeito que o apoio explícito à PT terá provocado na inviabilização de negócios alternativos que poderiam ter conduzido esta última a um ambiente de concorrência interna bem mais estimulante do que o que foi gerado. Sou particularmente sensível ao argumento de ALX, até porque os efeitos inicialmente previstos de estímulo da existência da PT à criação de centros de recursos estratégicos de conhecimento acabaram por ser um flop total, visível sobretudo quando a PT começou a deixar finar o seu Instituto de Inovação em Aveiro. Rapidamente os interesses da “linha” capturaram o projeto e deixou de ser um projeto mobilizador de âmbito nacional. Apesar disso, há sempre candidatos remotos a apanhar algumas migalhas. Será isso que talvez explique este último honoris causa a Zeinal Bava pela Universidade da Beira Interior, em timing precioso, ou seja com a PT a desconjuntar-se em bolsa, talvez a pensar no call-center da Covilhã, onde talvez a UBI esteja a colocar alguns licenciados (visão estratégica de largo alcance, como se pode antever!).

Meus amigos de PT estou conversado. Acho que Félix Ribeiro tem razão. Empresas globais com players globais e não com novo-riquismo da lusofonia. Penetrar nesses mercados é uma coisa, fazer dessa penetração algo de estratégico para a economia global é coisa diferente, desculpem, mas o mundo mudou e a nossa pequenez acentuou-se. Para além disso, entre o nacional-porreirismo e afetividade sem limites da nossa aproximação ao Brasil e a sua transformação em estratégia negocial vai uma longa distância.
Falemos agora da TAP. Bom admitamos que a bandeira TAP pode corresponder a um recurso estratégico nacional. Escrutinemos essa opção. Pergunto por exemplo se para agarrar o mercado brasileiro foi de interesse estratégico nacional comprar no Brasil uma empresa de manutenção de aeronáutica que tem sido um alfobre de prejuízos acumulados na empresa? ALX tem razão neste caso ao alertar para o facto do enquadramento gestionário da TAP ser fortemente influenciado pela legislação comunitária. Com maioria pública de capital terá a TAP a margem de manobra comunitária para se apetrechar à medida da sua ambição de mercado? Com minoria de capital público, terá a TAP condições para atrair o investimento privado necessário para o seu apetrechamento? Que condições mínimas incompressíveis de serviço deve a TAP assegurar para garantir o referido desígnio estratégico nacional? É possível transformar essas condições mínimas em compromisso passível de ser transparentemente comunicado aos Portugueses para escrutínio democrático num programa eleitoral?
Para mim, é tudo uma questão de escolhas públicas e não de posicionamento doutrinário ou ideológico à partida. Os cenários da TAP maioritariamente pública ou privada não se definem isoladamente. Só num quadro de escolhas públicas claras tem sentido esse pronunciamento e essa avaliação. Entendamo-nos. Abdicarei com facilidade da bandeira estratégica nacional TAP se me disserem que isso é incompatível com libertação de recursos para almofadas sociais mínimas ou para investimentos na educação. Conviria sermos claros nestas questões.

Sem comentários:

Enviar um comentário