terça-feira, 21 de outubro de 2014

DELÍRIOS

(Fonte: Financial Times)

GideonRachman tem uma excelente peça sobre os desatinos europeus no Financial Times, que identifica sobretudo com a questão das fronteiras e dos orçamentos. O seu ponto de partida centra-se nas já célebres afirmações do primeiro-ministro francês Manuel Valls (claramente acolitado por um Hollande politicamente desconjuntado), proferidas no momento da apresentação do orçamento francês para 2015, que expressavam mais ou menos isto: o orçamento de 2015 não foi elaborado para agradar a Bruxelas, a França é uma grande nação e um país soberano. Não é totalmente percetível se estas afirmações são para consumo interno (aparentemente são proferidas a pensar na ascensão de Marine Le Pen) ou se refletem essencialmente um governo e um presidente claramente acossados, seja pela rebelião mais ou menos frondista no interior do PS francês com Martine Aubry à cabeça, seja pela paulatina e até agora sustentada ascensão da direita nacionalista e xenófoba (apesar da distância que Marine procura manter do velho e desbragado Le Pen) francesa.
Para além dessas possíveis interpretações, o que estas afirmações fazem transparecer é uma espécie de “impossível ó tempo volta para trás”, por muito que custe aos que fizeram largo tempo da sua trajetória intelectual ancorados na cultura francesa (como eu próprio) e cujo declínio (não sei se inexorável) tem sido tão argutamente analisado por Eduardo Lourenço em vários escritos. E se calhar não por coincidência fortuita, os ministros das Finanças Michel Sapin e da Economia Emmanuel Macron estiveram ontem em Berlim para dissipar malentendidos, onde o irrascível Schäuble se saiu com esta: sim a Alemanha está recetiva a investimentos cruzados franco-alemães e necessitamos de investimentos em infraestruturas mas não queremos crescimento a crédito! Schäuble e o governo de Merkel parecem querer inventar um novo modelo de capitalismo.

Também em termos de acossamento político interno, os conservadores ingleses reclamam uma situação específica no contexto da União Europeia para poderem limitar a entrada a emigrantes estrangeiros, posição que permitiu a Durão Barroso um fogacho de última hora para criticar o oportunismo político conservador.
Dois exemplos que mostram a real medida da não preparação do edifício europeu para gerir acossos políticos internos, em ambos os casos contrários e incompatíveis com o modelo europeu. Por isso, no seu pragmatismo mais jovem, Renzi dizia que para ele era melhor um défice público de 4% em França do que a ascensão de Le Pen ao poder.



Para complicar ainda mais tudo isto, o ambiente no Báltico parece regressar ao clima da guerra fria com todo o arsenal bélico sueco a tentar demonstrar que um submarino russo invadiu águas de proximidade em torno de Estocolmo. Só nos faltava mais esta.
 

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