Estes últimos tempos têm sido de grande
investimento pessoal na apresentação pública de ideias. O momento está para
isso e a sociedade civil parece despertar para uma intervenção que não
necessita de estar acantonada aos movimentos de canalização de pensamento para
os partidos políticos.
Esta semana, quarta-feira, a Associação Nacional
dos Municípios Portugueses (ANMP) realiza no Auditório da Fundação Bissaya
Barreto em Coimbra a primeira das conferências de um ciclo dedicado ao tema Organização Territorial do Estado e a Democracia de Proximidade. Terei por
companhia como keynote speakers o Professor António Cândido de Oliveira da
Universidade do Minho, o Professor João Ferrão do ICS e o secretário-geral do
Conselho dos Municípios e das Regiões da Europa Frédéric Vallier. Este vosso
amigo é apresentado como economista e professor da Faculdade de Economia do
Porto, o que não me desonra, mas continua a revelar uma extrema incomodidade
com alguém que trabalha numa consultora não abdica de ter as suas ideias. Cabeças
pequeninas.
Partilho convosco o texto introdutório que
orientará a minha intervenção de 30 minutos.
“Estando o modelo da
organização territorial do Estado português claramente definido na Constituição
da República e considerando que essa configuração resistiu às revisões
entretanto concretizadas, o estado de não acabamento do modelo quase 40 anos
depois do período constitucional pode ser considerado um mistério da democracia
portuguesa. Não vou aqui elaborar sobre os efeitos que terão resultado para a
emergência desse mistério do facto do referendo da regionalização ter produzido
um não inequívoco à sua implantação. Pressupondo que a sua presença continuada
como desígnio constitucional constitui um indicador da sua relevância para as
forças políticas nacionais com assento parlamentar, o não acabamento do modelo
poderá ser interpretado seja como o resultado de uma incapacidade nacional real
para o implementar ou então como o produto de conjunturas políticas e
económico-sociais que impossibilitaram os compromissos políticos necessários.
Porém, tenho para mim que a verdadeira razão para o mistério do não
completamento da organização territorial do Estado está antes na inexistência
de uma consciência regional fortemente identitária e na consequente debilidade
de influência que a dimensão regional exerce nas forças políticas nacionais.
Não entendo que essa influência deva medir-se necessariamente pela (in)
existência de partidos regionalistas. Penso que se essa consciência regional
existisse, ela bem poderia manifestar-se no interior das forças políticas
existentes. À medida que vou trabalhando cada vez em maior profundidade pelo
território nacional (e nos últimos tempos tenho trabalhado mais a sul do que a
norte), mais se me enraíza a ideia de que a formar-se uma consciência regional
em Portugal, só uma prática mais consistente da governação regional poderia
aspirar a esse resultado. O que bem pode representar um círculo vicioso
potencial: a ausência de consciência regional identitária tende a enfraquecer a
criação do nível regional da OTE e como esta não avança a consciência regional
não tem qualquer mecanismo que a estimule.
A reflexão que vos trago
aqui hoje é o produto de um “reflexive practitioner”, ou seja de alguém que
combina a investigação académica com a prática do planeamento (entendido aqui
como uma ponte entre o conhecimento e a decisão política) e que utiliza essa
combinação para refletir sobre a sua própria prática. Ora esta prática lida
permanentemente com o inacabado edifício da OTE, tem de trabalhar e contornar
as suas falhas, insuficiências, resistências e inércias e tratando-se por isso
de uma prática reflexiva pode-nos dar alguma orientação sobre o que significa
hoje, do ponto de vista da economia e do desenvolvimento, Portugal ter uma OTE
inacabada e não assumir constitucionalmente para o sim ou para o não esse
imperativo. Espero sinceramente que essa perspetiva seja complementar das
restantes três intervenções nesta conferência e que com essa complementaridade
animemos um debate profícuo que justifique a iniciativa e o esforço dos que
quiseram nela participar.”
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