quarta-feira, 8 de outubro de 2014

UM COMISSÁRIO DO CATANO!



Juro que não estou fixado nas audições dos comissários europeus designados, nem muito menos obcecado pelo assunto. Mas entendo que o tema “vale uma missa”, ou até várias como no que me diz respeito, por um conjunto desencontrado mas convergente de razões.


Primeiro, e como já aqui sublinhei, porque a ideia de um escrutínio deste tipo corresponde a um inequívoco passo em frente em termos de transparência democrática. Mesmo que o processo tenha as suas falhas e as suas cartas viciadas, vindo a conduzir no curto prazo a um resultado prático mais aparentando que “a montanha pariu um rato”.

Segundo, porque nos confirma a persistência de uma lamentável falta de qualidade nas altas lideranças europeias, cuja já de si duvidosa firmeza de princípios se vê cada vez mais atropelada pelas jogadas decorrentes de meras ambições pessoais. O que se aplica, no caso vertente, à cadeia de comando recentemente instalada nos dois grandes grupos políticos do Parlamento Europeu (PPE e S&D) e que tem nomes: de um lado, o manhoso presidente da Comissão Jean-Claude Juncker (bem apoiado no seu inabalavelmente eficiente chefe de gabinete, Martin Selmayr, que hoje surge designado no “ e Monde” como “  patrão escondido de Bruxelas”), o líder do PPE Manfred Weber e um bom número de acólitos coordenadores (como é o caso de Burkhard Balz no ECON); do outro, o serpenteante presidente do Parlamento Martin Schulz, o líder do S&D Gianni Pitella e igualmente um bom número de acólitos coordenadores (como é o caso de Roberto Gualtieri no ECON). Por acaso – honni soit qui mal y pense! – uma curiosa molhada de alemães e italianos...

Terceiro, porque a “grande coligação” de que repentinamente tanto se passou a ouvir falar não só parece ser um negócio confidencial e de bastidores entre estados-maiores partidários (leia-se, pessoas) como também não impediu Juncker de fazer todas as provocações que lhe vieram à cabeça na escolha e estruturação do seu colégio de comissários (já aqui, em post de 24 de setembro, referi alguns casos notórios, que não exclusivos), sabedor de que o presente que oferecia aos franceses de um Pierre Moscovici na pasta dos assuntos económicos e monetários (mesmo que devidamente tutelado por dois falcões) adicionado de um primeiro vice-presidente dito socialista (ouvi-lo ontem foi esclarecedor quanto ao ideário deste camarada de Dijsselbloem) chegariam para silenciar Schulz publicamente.

Quarto, porque os tais dois falcões na tutela de Moscovici é a little too much. A um deles já aqui me referi (post do dia 6) naquela provinciana covardia de um deslumbrado e novo rico letão que repete o que lhe mandam ser preciso. Ao outro, Jyrki Katainen (JK), refiro-me apenas agora após ter ouvido a sua prestação parlamentar na manhã de ontem: nascido em 1971 como Dombrovskis, JK já foi quase tudo aos 42 anos (nomeadamente quatro anos ministro das Finanças e dois anos e meio primeiro-ministro do seu pais – como pode isto acontecer na Finlândia?) e encara agora um honorífico posto europeu. Parece ser claramente feito de outra massa, mais preparado e menos servil, mais perigoso também, portanto. Em síntese, leu a cartilha europeia (o seu apoio entusiástico à adesão comunitária do país, o programa Erasmus que lhe mudou a vida, o trabalho em equipa que é o seu forte, a colaboração com o Parlamento que fará e até um apelo àquela canção do Rui Veloso sobre o ser “mais forte o que nos une do que aquilo que nos separa”), seguiu a técnica que os assessores de comunicação lhe ensinaram (começar sempre as respostas por aquele invariável your question was about, aliás nem sempre fidedigno face às perguntas), declarou não gostar dos modos como tem sido retratado e que a Finlândia não é o wild west (de onde lhe terá vindo a hipótese?), fugiu às questões mais incómodas e até foi dizendo que importará “alavancar o orçamento europeu” e conseguir um maior investimento dos países membros excedentários no futuro.

Quinto, porque há quem tenha memória, sobretudo na chamada periferia europeia, e não possa aceitar quieto e calado a agora pretendida entronização de JK. Este foi por demais visível na truculência que exibiu em plena crise das dívidas soberanas: no “cinto e suspensórios” que tinham de ser postos a Portugal, na “dureza”, “abrangência” e “rigidez” do pacote a impor-nos, na “condicionalidade mais estrita” que reclamava, assim como na exigência de colaterais que fez enquanto “linhas vermelhas” para que aceitasse aprovar o segundo resgate à Grécia e o resgate financeiro à Espanha ou nas suas tão europeístas posições em favor da criação de um comissário para a disciplina orçamental ou em ameaça de abandono da Zona Euro. JK foi, assim, uma das principais caras da denúncia dos “pecadores” do Sul e um dos grandes arautos da growsterity que agora cuidadosamente repudia.

Sexto e último, porque a esta hora (ou talvez um pouco mais tarde no dia) os “grandes coligados” estarão a ornamentar os pratos do seu cozinhado caseiro. Nas costas dos cidadãos, como sempre e mais uma vez. Talvez ainda caia a eslovena que se nomeou a si própria, por indecente e má figura, e talvez ainda retirem a tutela da cidadania ao húngaro que Orbán nomeou, mas já não estou seguro de mais nada que não seja de mais um estrago de monta que esta receita mal condimentada acabará por provocar no aparelho digestivo dos europeus...

Sem comentários:

Enviar um comentário