sexta-feira, 10 de outubro de 2014

A ALEMANHA PROFUNDA


Apesar de ainda ter andado dois anos pelo Goethe-Institut (à época no Campo Alegre), foi sempre com amargura que constatei frequentemente ao longo da minha vida académica/profissional que o alemão aprendido ficava muito aquém do necessário para certas leituras que me teriam sido de enorme utilidade formativa. E a questão também vale em termos das limitações que sinto para acompanhar de perto o que vai sendo produzido dentro do vasto e fechado mundo intelectual germânico, levando a que algumas obras essenciais e certos trabalhos marcantes acabem por só me chegar tardiamente e às vezes de modo indireto. Uma lacuna que fui colmatando parcialmente através de um recurso recorrente a alguns “amigos” mais ou menos germanizados e germanófilos com que procurei ir convivendo, sendo um dos mais representativos dessa qualidade por mim adotada um grande jornalista francês que há muitos anos é correspondente do “Le Monde” nas capitais alemãs, Frédéric Lemaître (FL).

Vem toda esta conversa a propósito de uma interessante entrevista feita por FL ao presidente do DIW Berlin (Deutsches Institut für Wirtschaftsforschung) e professor de Macroeconomia e Finanças na Universidade de Humboldt, Marcel Fratzscher (MF), na sequência do recente lançamento do seu último livro “Die Deutschland-Illusion”.

Como o próprio título anuncia, a tese de MF vai no sentido de uma denúncia daquilo que designa por “ilusões alemãs” em contraposição à tão apregoada e bela imagem de um “refúgio de estabilidade numa Europa incerta”. E exemplifica com o baixo crescimento (média de 1% nos últimos dez anos, registo muito inferior ao de outros países europeus), as evidências de subemprego (número de horas globalmente trabalhadas em aumento nitidamente inferior ao do número de ativos), a significativa prevalência de salários baixos (enquanto se verifica que 60% dos alemães menos bem pagos têm hoje um salário real inferior ao de 2000, calcula-se que o salário mínimo que está em fase de introdução irá abranger quase 10% dos assalariados), os défices de formação (despesa apenas equivalente a 5,4% do PIB, contra uma média de 6,3% no conjunto dos países da OCDE) ou a falta de investimento (“desde 2012, a Alemanha é o único grande país ocidental a ter contas públicas equilibradas mas, olhando do lado dos ativos, eles diminuíram em mais de 500 mil milhões de euros desde 2000, ou seja, 20% da performance económica do país”). Passando daqui à identificação dos desafios que se colocam à sociedade e à sua expressão em termos políticos.

Mas o mais grave, segundo o autor, é a perversa relação dos alemães com a Europa que os leva a considerarem-se mais vítimas do que atores de primeiro plano e a fazerem daquela uma espécie de “bode expiatório”: “quando tudo vai bem, é graças às políticas nacionais, quando vai mal, é por causa da Europa”. E acrescenta: “Critica-se o Banco Central Europeu devido à mutualização dos riscos que ela nos faz assumir. Por ter assumido riscos desde 2008, o BCE não perdeu dinheiro. Fez mesmo lucros. É verdade que o contribuinte alemão, por seu intermédio, assumiu riscos, mas não perdeu em troca. Pelo contrario.” Deixando ainda um claro lamento sobre as ameaças que pesam sobre a autoridade do BCE – que, sublinha, salvou a Europa no Verão de 2012 –, a “única instituição europeia que é credível, flexível e faz o seu trabalho”.

Esperemos que possa ser rápida a tradução para francês ou inglês deste desmistificador contributo de Marcel Fratzscher...

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