sábado, 11 de outubro de 2014

UM LIVRO E UM DEBATE



Um fim de tarde desafiante numa sala (do Fundo antigo) da Reitoria da Universidade do Porto (UP) onde foi apresentada uma excelente e oportuna obra coletiva (título na imagem de capa acima) de um conjunto de economistas portugueses e europeus, publicada pela “Routledge” e editada por Aurora Teixeira (AT), Ester Silva (ES) e Ricardo Paes Mamede (RPM). 

O ambiente era acolhedor, também e sobretudo no plano das múltiplas, e frequentemente longas, amizades cruzadas que por ali se cruzavam. E a mesa prometia corresponder, como correspondeu, ao desafio intelectual que se lhe deparava, contribuindo largamente para proporcionar um debate de raro nível de qualidade em Portugal.

O moderador, um dos nossos bons jornalistas da especialidade (Rui Peres Jorge), abriu as “hostilidades” com o seu apontar de dedo às painful lessons a que se refere o subtítulo do livro e a esta “união monetária disfuncional” que nos envolve. As editoras AT e ES (já que o “sulista” RPM não esteve presente), ambas ex-alunas nossas na FEP e agora duas distintas académicas da UP, explicaram o que as motivou (retive, sobretudo, o seu objetivo de discutir a crise de um modo mais alargado e multidimensional do que aquele, altamente insuficiente, que marca essa pobre espécie de discurso dominante que tanto nos afunila).

Os dois animadores convidados agitaram a malta q.b. Primeiro foi Elisa Ferreira a sublinhar as razões pelas quais considerava o livro em análise de grande relevância e atualidade (talvez até tardia), em função quer da situação crítica que a economia europeia vive quer do abafamento da disciplina da Economia que desde a crise tem sido consentido pelos académicos da área menos coniventes com os falhanços teóricos do mainstream. Deixando-nos matéria variada para reflexão, e ilustro: o bloqueamento em que se encontra a agenda económica europeia (associado ao win all de que beneficiam as forças dominantes, a um diagnóstico errado sobre as origens da crise, à violência dos efeitos desta sobre os cidadãos, ao facto de um número crescente de políticas ter vindo a sair do âmbito do método comunitário para ser absorvido pelo nível intergovernamental e a um recurso a soporíferos em detrimento do ataque às questões de fundo), o facto de a atual construção da UEM ser essencialmente um motor de divergências internas e não possuir mecanismo corretivos suficientemente poderosos para evitar o seu prosseguimento até à rotura, a diferença radical que não pode deixar de existir entre a ideia de uma mudança estrutural e a cantilena das reformas estruturais (citando um capítulo assinado por Argentino Pessoa e antecedendo uma sugestão posterior do outro animador, José Fernando Madureira Pinto (JFMP), no sentido de iniciar ali um abaixo-assinado para que seja definitivamente banida a expressão “reformas estruturais”) e a necessidade de uma maior consideração e aprofundamento de vetores suscetíveis de impactos assimétricos (a taxa de câmbio do Euro, a determinação dos interesses defensivos e ofensivos da política comercial externa da UE e dos standards comuns do mercado interno, a não neutralidade dos padrões associados aos regimes de crédito e ajudas de Estado que se repercutem na política de concorrência, as arbitragens de regulação e a concorrência fiscal efetiva, a rentabilidade comparada do sector financeiro em relação à economia real).

Depois veio JFMP que, declarando-se “reaprendiz de economia”, nos esclareceu detalhadamente sobre os contributos relevantes que encontrou em cada um dos artigos da obra. Mais à frente, este honoris causa que aqui nos abandonou à nossa sorte deixaria ainda algumas reflexões extremamente desafiantes sobre temas como a obsessão da Economia em tudo repartir entre a macro e a micro (versus uma necessidade de pontes e mediações), a Gestão como um “enorme recalcamento”, a urgência de uma escalpelização do conceito de produtividade, a ideia de “capital cultural”, a importância de seguir de perto a evolução temporal comparada dos níveis de escolaridade e de qualificação ou os “desfasamentos que desconhecemos” e poderão estar subjacentes à aparência de uma interiorizada visão positiva de uma certa geração de cidadãos sobre a Europa.

Parabéns a todos!

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