(Valls e Montebourg)
(Pieria)
Por mais voluntarismo que Costa e Seguro possam vir
a manifestar na cena europeia acaso venham a ter no futuro próximo protagonismo
de governação e por mais que os analistas fiquem entusiasmados com a intervenção
de Draghi em Jackson Hole (ver post
anterior, em que a minha interpretação é mais desencantada do que a desses
analistas), os ventos da Europa deveriam impor aos candidatos maior ponderação.
O protagonismo do PS português tem vindo a perder dinamismo (estranhamente em
clara correlação com o estatuto de bom aluno tão reivindicado pelo presente
governo) e não será a desgraçada situação portuguesa que contribuirá para o
virar dos ventos na macroeconomia europeia. Isso não significa, como é óbvio, abdicar
da procura de um protagonismo mais ativo. Significa tão só que é necessário acompanhar
com mais atenção a evolução da capacidade de manobra dos governos socialistas
em economias que podem fazer a diferença no contexto europeu e daí tirar as
devidas consequências para as propostas a apresentar ao país.
Ora, pela sua dimensão e pela dimensão que os
problemas aí em gestação podem representar para o frágil edifício europeu, o
que se vai passando em França e Itália merece atenta ponderação. E, pela minha
leitura, os ventos que ali estão a formar-se não são propriamente de bonança.
Tal como o meu colega de blogue oportunamente já anotou, a
demissão para baralhar e dar de novo de Manuel Valls, imediatamente aceite por
um François Hollande, cada vez mais frágil e apenas no seu melhor em coisas
como as cerimónias de aniversário da libertação de Paris, traz água no bico. O
choque de perspetivas essencialmente entre o ministro da Economia Arnaud
Montebourg e a linha de intervenção Valls-Hollande definida há alguns meses atrás
está muito para além de uma simples matéria franco-francesa. Montebourg é
conhecido por algumas intervenções que apontam para uma tentativa de
reconquista do poderio industrial da França, implicando nada mais nada menos do
que trinta e quatro planos de relançamento industrial, muito na linha do
desenvolvimento das tão conhecidas filières. O mesmo se diga da defesa
intransigente que Montebourg tem feito do salvamento (nacionalização) dos últimos
altos fornos da Lorraine, que se traduziu pelo menos no recuo de abandono por
parte do grupo Arcelor Mittal apesar do encerramento dos últimos fornos. E
ainda o mesmo pode ser dito acerca das suas continuadas intervenções orientadas
para mudar o rumo da intervenção do BCE. Entre as suas conquistas, está a
legislação de controlo do investimento estrangeiro em setores considerados
estratégicos assinada por Valls e que resultou diretamente da sua posição de
oposição brutal à hipótese de compra da Alstom energia por parte da General
Electric.
Conviria discutir de que modo Montebourg pensaria
acomodar o que muitos dos seus adversários tenderiam a chamar de assomo de nacionalismo
económico por parte da França com a dinamização do projeto europeu, o que para
mim não é ainda totalmente claro.
Mas, para já, o braço de ferro instalado no
interior de governo de Valls-Hollande e que deu origem à demissão e convite
para formar novo governo é bem ilustrativo das dificuldades de uma alternativa
socialista em gerar saídas concretas para um outro modelo de gestão macroeconómica
na Europa. Do pensamento de Valls nesta matéria pouco se sabe. A pairar sobre
tudo isto, a Frente Nacional aguarda expectante uma oportunidade para o assalto
final. Não me admiraria que as teses de Montebourg tivessem eco positivo na FN.
O problema é que para esta última há nelas conveniência para explorar a sua
posição sobre a União Europeia. Para Montebourg, o problema está em como
acomodar as suas posições com o projeto europeu em ciclo desejavelmente novo. O
que não é o mesmo.
Em Itália, Matteo Renzi fala mais grosso, mas a
situação italiana de partida constitui de facto um fardo bem pesado. Um exemplo
gritante: a Itália é a economia desenvolvida com um excedente orçamental primário
mais elevado do mundo, mas mesmo assim é obrigada a endividar-se para pagar a
sua dívida histórica, enfrentando um défice orçamental; além disso, face às
restantes economias desenvolvidas a sua trajetória é de divergência, invertendo
completamente o êxito dos anos 80. A queda do investimento no período 2007-2013
está estimada em 27,6%, que contrasta vejam bem com a queda de 12,8% observada
no período 1929-1934. O Pieria referia-se há dias a esta situação como algo de
verdadeiramente dramático.
(Pieria)
A questão que daqui se destaca é a seguinte: é
esta situação favorável a uma alternativa de abordagem europeia à questão
italiana, tão fortemente reivindicada por Renzi ou, pelo contrário, a dramática
situação da economia italiana transformar-se-á no principal obstáculo da
alternativa Renzi?
Ventos de grande instabilidade aos quais Costa e
Seguro não podem continuar indiferentes.
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