segunda-feira, 25 de agosto de 2014

MAS QUE VENTOS DE FRANÇA E ITÁLIA: À ATENÇÃO DE COSTA E SEGURO

(Valls e Montebourg)
(Pieria)


Por mais voluntarismo que Costa e Seguro possam vir a manifestar na cena europeia acaso venham a ter no futuro próximo protagonismo de governação e por mais que os analistas fiquem entusiasmados com a intervenção de Draghi em Jackson Hole (ver post anterior, em que a minha interpretação é mais desencantada do que a desses analistas), os ventos da Europa deveriam impor aos candidatos maior ponderação. O protagonismo do PS português tem vindo a perder dinamismo (estranhamente em clara correlação com o estatuto de bom aluno tão reivindicado pelo presente governo) e não será a desgraçada situação portuguesa que contribuirá para o virar dos ventos na macroeconomia europeia. Isso não significa, como é óbvio, abdicar da procura de um protagonismo mais ativo. Significa tão só que é necessário acompanhar com mais atenção a evolução da capacidade de manobra dos governos socialistas em economias que podem fazer a diferença no contexto europeu e daí tirar as devidas consequências para as propostas a apresentar ao país.
Ora, pela sua dimensão e pela dimensão que os problemas aí em gestação podem representar para o frágil edifício europeu, o que se vai passando em França e Itália merece atenta ponderação. E, pela minha leitura, os ventos que ali estão a formar-se não são propriamente de bonança.
Tal como o meu colega de blogue oportunamente já anotou, a demissão para baralhar e dar de novo de Manuel Valls, imediatamente aceite por um François Hollande, cada vez mais frágil e apenas no seu melhor em coisas como as cerimónias de aniversário da libertação de Paris, traz água no bico. O choque de perspetivas essencialmente entre o ministro da Economia Arnaud Montebourg e a linha de intervenção Valls-Hollande definida há alguns meses atrás está muito para além de uma simples matéria franco-francesa. Montebourg é conhecido por algumas intervenções que apontam para uma tentativa de reconquista do poderio industrial da França, implicando nada mais nada menos do que trinta e quatro planos de relançamento industrial, muito na linha do desenvolvimento das tão conhecidas filières. O mesmo se diga da defesa intransigente que Montebourg tem feito do salvamento (nacionalização) dos últimos altos fornos da Lorraine, que se traduziu pelo menos no recuo de abandono por parte do grupo Arcelor Mittal apesar do encerramento dos últimos fornos. E ainda o mesmo pode ser dito acerca das suas continuadas intervenções orientadas para mudar o rumo da intervenção do BCE. Entre as suas conquistas, está a legislação de controlo do investimento estrangeiro em setores considerados estratégicos assinada por Valls e que resultou diretamente da sua posição de oposição brutal à hipótese de compra da Alstom energia por parte da General Electric.
Conviria discutir de que modo Montebourg pensaria acomodar o que muitos dos seus adversários tenderiam a chamar de assomo de nacionalismo económico por parte da França com a dinamização do projeto europeu, o que para mim não é ainda totalmente claro.
Mas, para já, o braço de ferro instalado no interior de governo de Valls-Hollande e que deu origem à demissão e convite para formar novo governo é bem ilustrativo das dificuldades de uma alternativa socialista em gerar saídas concretas para um outro modelo de gestão macroeconómica na Europa. Do pensamento de Valls nesta matéria pouco se sabe. A pairar sobre tudo isto, a Frente Nacional aguarda expectante uma oportunidade para o assalto final. Não me admiraria que as teses de Montebourg tivessem eco positivo na FN. O problema é que para esta última há nelas conveniência para explorar a sua posição sobre a União Europeia. Para Montebourg, o problema está em como acomodar as suas posições com o projeto europeu em ciclo desejavelmente novo. O que não é o mesmo.
Em Itália, Matteo Renzi fala mais grosso, mas a situação italiana de partida constitui de facto um fardo bem pesado. Um exemplo gritante: a Itália é a economia desenvolvida com um excedente orçamental primário mais elevado do mundo, mas mesmo assim é obrigada a endividar-se para pagar a sua dívida histórica, enfrentando um défice orçamental; além disso, face às restantes economias desenvolvidas a sua trajetória é de divergência, invertendo completamente o êxito dos anos 80. A queda do investimento no período 2007-2013 está estimada em 27,6%, que contrasta vejam bem com a queda de 12,8% observada no período 1929-1934. O Pieria referia-se há dias a esta situação como algo de verdadeiramente dramático.

(Pieria)
A questão que daqui se destaca é a seguinte: é esta situação favorável a uma alternativa de abordagem europeia à questão italiana, tão fortemente reivindicada por Renzi ou, pelo contrário, a dramática situação da economia italiana transformar-se-á no principal obstáculo da alternativa Renzi?
Ventos de grande instabilidade aos quais Costa e Seguro não podem continuar indiferentes.

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