sábado, 30 de agosto de 2014

O (DES) TOQUE DE MIDAS



A expressão ocorreu-me quando esta semana, em Lisboa, avaliava com algumas entidades a possibilidade de gerar uma parceria de candidatura a um programa lançado pela União Europeia de apoio a população síria fora do país (designada de iniciativa TAHDIR), exilada inicialmente pelas atrocidades sanguinárias do regime de Assad e agora entre dois fogos, o de Assad e o dos extremistas islâmicos jihadistas. Em Portugal, existe já um número não despiciendo de universitários sírios e pensou-se que seria possível lançar algum projeto de capacitação desse conjunto de estudantes, embora a iniciativa da UE esteja utopicamente a antever uma reconstrução do país que certamente é bem mais longínqua que qualquer processo de capacitação pode antever.
Não interessa o projeto, interessa que numa conversa de pouco mais de hora e meia alguém no grupo desfiou relatos de situações desesperadas de famílias normais, como as nossas, classe média, quadros, que de repente se viram na antecâmara do desespero e nela acabaram por entrar. E, na sequência da conversa, demos connosco a verificar que onde o ocidente (EUA e uma desmembrada União Europeia, apesar da NATO) meteu a mão para tentar inverter ou controlar situações elas resvalaram frequentemente para o oposto das intenções iniciais. Ou seja, uma espécie de contrário de toque de Midas.
Tudo isto vem a propósito da perturbadora crónica de Vasco Pulido Valente, hoje no público: “O Ocidente é o inimigo universal das forças que dominam o mundo muçulmano, não pode arbitrar ou conciliar, tanto mais que não conhece ou não percebe as sociedades em que se acha na obrigação de intervir.” A contundência desta síntese é terrível na sua profundidade, tanto mais terrível quanto conduz VPV à tese da delimitação e isolamento do conflito, mais ou menos a ideia de que matem-se uns aos outros e encontrem o vosso equilíbrio. A nossa incapacidade política e cultural, diria uma incapacidade total, para compreender o que está em desenvolvimento do ponto de vista do (s) conflito (s) religiosos suscitados pela intervenção ocidental, é dramática. Há cerca de 40 anos quando iniciei os meus estudos de desenvolvimento, a tradição intelectual de alternativa consistia na desmontagem do etnocentrismo ocidental, da errada perceção de que o Ocidente era o centro do mundo e de que os nossos valores eram universais. A situação alterou-se radicalmente nos últimos tempos. Já não é de rejeição de valores que deve falar-se. O Ocidente é como VPV o assinala o inimigo das forças que dominam o mundo muçulmano. A imposição desses valores, tão criticada na altura por todas as teorias do desenvolvimento alternativas, é hoje impossível. E as questões não se passam hoje ao nível dos conceitos. Damos connosco a pensar como é que foi possível, nas barbas dos serviços de inteligência internacionais, o ISIS ou ISIL aparecerem tão bem armados e financiados sem escassez de recursos. A imagem de fraqueza e de desorientação que Obama tornou pública esta semana não resulta sequer de uma gaffe. Ela é mesmo o retrato fiel da incapacidade total do mundo ocidental compreender a situação gerada a partir da sua própria incompetência. Este mundo não se recomenda.

Sem comentários:

Enviar um comentário