A expressão ocorreu-me quando esta semana, em
Lisboa, avaliava com algumas entidades a possibilidade de gerar uma parceria de
candidatura a um programa lançado pela União Europeia de apoio a população síria
fora do país (designada de iniciativa TAHDIR), exilada inicialmente pelas
atrocidades sanguinárias do regime de Assad e agora entre dois fogos, o de
Assad e o dos extremistas islâmicos jihadistas. Em Portugal, existe já um número
não despiciendo de universitários sírios e pensou-se que seria possível lançar
algum projeto de capacitação desse conjunto de estudantes, embora a iniciativa
da UE esteja utopicamente a antever uma reconstrução do país que certamente é
bem mais longínqua que qualquer processo de capacitação pode antever.
Não interessa o projeto, interessa que numa
conversa de pouco mais de hora e meia alguém no grupo desfiou relatos de situações
desesperadas de famílias normais, como as nossas, classe média, quadros, que de
repente se viram na antecâmara do desespero e nela acabaram por entrar. E, na
sequência da conversa, demos connosco a verificar que onde o ocidente (EUA e
uma desmembrada União Europeia, apesar da NATO) meteu a mão para tentar
inverter ou controlar situações elas resvalaram frequentemente para o oposto
das intenções iniciais. Ou seja, uma espécie de contrário de toque de Midas.
Tudo isto vem a propósito da perturbadora crónica
de Vasco Pulido Valente, hoje no público: “O
Ocidente é o inimigo universal das forças que dominam o mundo muçulmano, não
pode arbitrar ou conciliar, tanto mais que não conhece ou não percebe as
sociedades em que se acha na obrigação de intervir.” A contundência desta síntese
é terrível na sua profundidade, tanto mais terrível quanto conduz VPV à tese da
delimitação e isolamento do conflito, mais ou menos a ideia de que matem-se uns
aos outros e encontrem o vosso equilíbrio. A nossa incapacidade política e
cultural, diria uma incapacidade total, para compreender o que está em
desenvolvimento do ponto de vista do (s) conflito (s) religiosos suscitados
pela intervenção ocidental, é dramática. Há cerca de 40 anos quando iniciei os
meus estudos de desenvolvimento, a tradição intelectual de alternativa
consistia na desmontagem do etnocentrismo ocidental, da errada perceção de que
o Ocidente era o centro do mundo e de que os nossos valores eram universais. A
situação alterou-se radicalmente nos últimos tempos. Já não é de rejeição de
valores que deve falar-se. O Ocidente é como VPV o assinala o inimigo das
forças que dominam o mundo muçulmano. A imposição desses valores, tão criticada
na altura por todas as teorias do desenvolvimento alternativas, é hoje impossível.
E as questões não se passam hoje ao nível dos conceitos. Damos connosco a
pensar como é que foi possível, nas barbas dos serviços de inteligência
internacionais, o ISIS ou ISIL aparecerem tão bem armados e financiados sem
escassez de recursos. A imagem de fraqueza e de desorientação que Obama tornou
pública esta semana não resulta sequer de uma gaffe. Ela é mesmo o retrato fiel
da incapacidade total do mundo ocidental compreender a situação gerada a partir
da sua própria incompetência. Este mundo não se recomenda.
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