Mão amiga fez-me chegar a moção política “Portugal precisa
de si” que António Costa submete ao ato eleitoral do PS de 28 de
setembro, com pedido de apreciação e comentário.
A moção está inserida num processo em que a
Agenda para uma Década e um eventual e futuro programa de governo juntamente
com a moção constituirão um tríptico de ação política que o candidato estima
poderem merecer a confiança dos portugueses para uma alternativa de governação.
É por isso difícil comentar a moção e o seu conteúdo programático quando, só
mais tarde, será possível verdadeiramente avaliar a concreticidade das suas
opções. Depois, como repetidas vezes já expressei neste blogue, a situação em
que se encontra a sociedade portuguesa e a procura de uma alternativa para a
superar justificam, mais do que quadros programáticos extensos e globais,
ideias muito concretas para questões bem concretas que preocupam o presente e o
futuro dos portugueses.
Mas, ressalvado o meu atual pessimismo quanto à
eficácia político-eleitoral de quadros programáticos desta natureza, a moção
constitui um texto arejado, claro nas suas principais opções e que tem a
vantagem de nos orientar para colocar questões concretas ao candidato e ao seu
núcleo mais pensante.
Agradou-me de sobremaneira o lugar de destaque
que o conceito de sociedade decente ocupa na moção, permitindo antever (será
assim?) que as políticas sociais representarão uma espécie de pilar em
contextos de escolhas públicas necessárias: “uma sociedade decente é uma sociedade de
pessoas com direitos, onde ninguém é abandonado às circunstâncias do
assistencialismo. Numa sociedade decente, o mérito, o esforço, o contributo
para o bem comum têm de valer mais do que o berço. Numa sociedade decente
combatem-se as desigualdades profundas, acumuladas, desproporcionadas ao mérito
e injustas que são tão capazes de destruir o laço social como o igualitarismo
extremo.”
No
entanto, para assegurar a massa de recursos públicos incompressíveis que uma
sociedade decente exige, será necessário esclarecer que escolhas públicas António
Costa está disposto a assumir para permitir tal desiderato. Como é óbvio,
ritmos mais elevados de crescimento económico poderão libertar os recursos necessários,
pois ganhos no emprego total tenderão, por um lado, a reduzir gastos sociais e
a maior capacidade de arrecadação fiscal que o crescimento permite, por outro,
aumentar a massa de recursos públicos disponíveis. Mas, como é conhecido, a
economia portuguesa não terminou ainda o seu processo de destruição de emprego
induzida pela modernização e a transição para um novo paradigma de qualificações
tenderá a libertar mão-de-obra menos qualificada.
A moção agora apresentada não é totalmente explícita
quanto ao modelo de crescimento que a candidatura de António Costa preconiza e
a anemia do crescimento europeu, que começa a sugerir um fenómeno estrutural de
fim de ciclo longo, ainda mais acentua esse vazio. A meu ver, a defesa intransigente
das bases de uma sociedade decente obrigará a um modelo económico mais liberto
da intervenção pública e mais exigente em termos de investimentos públicos estratégicos,
porque mais limitados os recursos de que disporá para gerir essa frente. A moção
não se compromete com escolhas públicas nessa matéria, a não ser uma vaga referência
ao investimento em investigação científica, muito politicamente correta porque
não define que linhas orientarão o investimento público nessa área. É que a
relação da investigação científica com o crescimento económico, sobretudo tendo
em conta o horizonte de uma legislatura, depende fortemente dos laços temporais
dessa investigação com a inovação empresarial. O debate nacional nesta matéria
está por fazer e a candidatura de Costa parece não querer comprometer-se com
uma posição bem definida em tal matéria.
Poderá António Costa defender-se dizendo que isso
será matéria da Agenda para uma Década e não serei eu a contrariá-lo.
Dada a forte relevância que o próximo período de
programação de Fundos Estruturais e de Investimento 2014-2020 assumirá para o
modelo de crescimento económico nacional, ficaria bem à candidatura mostrar
mais conhecimento sobre os rumos da aplicação do Acordo de Parceria e
pronunciar-se criticamente sobre as opções assumidas. Os recursos de
investimento estarão maioritariamente concentrados nesse mecanismo. Ignorá-lo
será conceder uma grande vantagem à maioria.
No plano territorial, a moção orienta-se para uma
democratização progressiva das CCDR, para daí desenhar um novo modelo de organização
territorial da organização do Estado e penso que está na boa direção. O país
tem de concentrar-se no essencial do modelo de crescimento e na inversão do processo
de empobrecimento e de retrocesso social, pelo que o gradualismo institucional é
sensato e coaduna-se bem com o pragmatismo do candidato.
Como primeiro elemento de um tríptico que culminará
numa proposta concreta de governação, a moção promete, mas só com escolhas
orçamentais bem concretas será possível avaliar da bondade e efetividade das
suas principais opções.
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