sábado, 16 de agosto de 2014

A MOÇÃO



Mão amiga fez-me chegar a moção política “Portugal precisa de si” que António Costa submete ao ato eleitoral do PS de 28 de setembro, com pedido de apreciação e comentário.
A moção está inserida num processo em que a Agenda para uma Década e um eventual e futuro programa de governo juntamente com a moção constituirão um tríptico de ação política que o candidato estima poderem merecer a confiança dos portugueses para uma alternativa de governação. É por isso difícil comentar a moção e o seu conteúdo programático quando, só mais tarde, será possível verdadeiramente avaliar a concreticidade das suas opções. Depois, como repetidas vezes já expressei neste blogue, a situação em que se encontra a sociedade portuguesa e a procura de uma alternativa para a superar justificam, mais do que quadros programáticos extensos e globais, ideias muito concretas para questões bem concretas que preocupam o presente e o futuro dos portugueses.
Mas, ressalvado o meu atual pessimismo quanto à eficácia político-eleitoral de quadros programáticos desta natureza, a moção constitui um texto arejado, claro nas suas principais opções e que tem a vantagem de nos orientar para colocar questões concretas ao candidato e ao seu núcleo mais pensante.
Agradou-me de sobremaneira o lugar de destaque que o conceito de sociedade decente ocupa na moção, permitindo antever (será assim?) que as políticas sociais representarão uma espécie de pilar em contextos de escolhas públicas necessárias: “uma sociedade decente é uma sociedade de pessoas com direitos, onde ninguém é abandonado às circunstâncias do assistencialismo. Numa sociedade decente, o mérito, o esforço, o contributo para o bem comum têm de valer mais do que o berço. Numa sociedade decente combatem-se as desigualdades profundas, acumuladas, desproporcionadas ao mérito e injustas que são tão capazes de destruir o laço social como o igualitarismo extremo.”
 No entanto, para assegurar a massa de recursos públicos incompressíveis que uma sociedade decente exige, será necessário esclarecer que escolhas públicas António Costa está disposto a assumir para permitir tal desiderato. Como é óbvio, ritmos mais elevados de crescimento económico poderão libertar os recursos necessários, pois ganhos no emprego total tenderão, por um lado, a reduzir gastos sociais e a maior capacidade de arrecadação fiscal que o crescimento permite, por outro, aumentar a massa de recursos públicos disponíveis. Mas, como é conhecido, a economia portuguesa não terminou ainda o seu processo de destruição de emprego induzida pela modernização e a transição para um novo paradigma de qualificações tenderá a libertar mão-de-obra menos qualificada.
A moção agora apresentada não é totalmente explícita quanto ao modelo de crescimento que a candidatura de António Costa preconiza e a anemia do crescimento europeu, que começa a sugerir um fenómeno estrutural de fim de ciclo longo, ainda mais acentua esse vazio. A meu ver, a defesa intransigente das bases de uma sociedade decente obrigará a um modelo económico mais liberto da intervenção pública e mais exigente em termos de investimentos públicos estratégicos, porque mais limitados os recursos de que disporá para gerir essa frente. A moção não se compromete com escolhas públicas nessa matéria, a não ser uma vaga referência ao investimento em investigação científica, muito politicamente correta porque não define que linhas orientarão o investimento público nessa área. É que a relação da investigação científica com o crescimento económico, sobretudo tendo em conta o horizonte de uma legislatura, depende fortemente dos laços temporais dessa investigação com a inovação empresarial. O debate nacional nesta matéria está por fazer e a candidatura de Costa parece não querer comprometer-se com uma posição bem definida em tal matéria.
Poderá António Costa defender-se dizendo que isso será matéria da Agenda para uma Década e não serei eu a contrariá-lo.
Dada a forte relevância que o próximo período de programação de Fundos Estruturais e de Investimento 2014-2020 assumirá para o modelo de crescimento económico nacional, ficaria bem à candidatura mostrar mais conhecimento sobre os rumos da aplicação do Acordo de Parceria e pronunciar-se criticamente sobre as opções assumidas. Os recursos de investimento estarão maioritariamente concentrados nesse mecanismo. Ignorá-lo será conceder uma grande vantagem à maioria.
No plano territorial, a moção orienta-se para uma democratização progressiva das CCDR, para daí desenhar um novo modelo de organização territorial da organização do Estado e penso que está na boa direção. O país tem de concentrar-se no essencial do modelo de crescimento e na inversão do processo de empobrecimento e de retrocesso social, pelo que o gradualismo institucional é sensato e coaduna-se bem com o pragmatismo do candidato.
Como primeiro elemento de um tríptico que culminará numa proposta concreta de governação, a moção promete, mas só com escolhas orçamentais bem concretas será possível avaliar da bondade e efetividade das suas principais opções.

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