(Janet Yellen recebida no Jackson Hole Economic Policy Symposium)
Estava Janet Yellen a tomar a palavra no Jackson Hole Economic Policy Symposium (de
banqueiros centrais de todo o mundo), em pleno Grand Teton National Park, perto de Jackson, no Wyoming, Missouri,
pelas 10 da manhã americanas e três da tarde cá pelo burgo, já eu tinha acesso,
graças ao incontornável Business Insider, ao texto-discurso da Presidente do FED.
Não me recordo de tanta expectativa perante uma tomada de
posição pública de responsáveis do FED. A explicação vem da inércia do passado.
As intervenções de Ben Bernanke realizadas no passado neste simpósio foram
marcantes e reorientadoras de expectativas, pelo que os focos se abateram sobre
a iniciativa, na qual Draghi terá também de se expor.
Face à agressividade do jornalismo económico americano e ao
apetite com que os falcões republicanos aguardam a evolução da situação da
economia americana percecionada pelo FOMC (Federal
Open Market Committee) para restringir o intervencionismo do FED, a pressão
que rodeia as palavras de Yellen para o exterior é para gente muito segura e a
Presidente tem dado mostras de que a estabilidade da economia mundial tem nesta
economista de rosto tranquilo e elegante sobriedade uma grande aliada. Essa
pressão é tão grande que os jornais económicos fizeram eco ontem de que a organização
limitou em absoluto o acesso ao Simpósio de economistas das instituições
financeiras privadas, colocando-os ao mesmo nível do cidadão em geral.
Ora, face ao que li, os falcões republicanos vão ter de
esperar para subir as taxas de juro, continuando embora a trajetória já
anteriormente anunciada de diminuição progressiva das compras de ativos, com
termo expectável no próximo mês de Outubro de 2014.
Mas mais importante do que isso, do texto de Yellen ficam
duas grandes lições:
- Em primeiro lugar, uma aula de economia serena, empiricamente rica e teoricamente informada pela mais recente investigação americana, sobre as relações entre a política monetária de um banco central e o funcionamento e monitorização do mercado de trabalho; ou seja, um belo material para uma aula de macroeconomia para os tempos modernos;
- Em segundo lugar, a perceção clara de como o mandato do BCE, limitado ao controlo da estabilidade monetária, é nos tempos modernos uma completa aberração face ao mandato dual do FED de estimular o máximo emprego possível e a estabilidade dos preços; a sua preocupação com a estabilidade nominal, desconcertada não por pressões inflacionárias, mas pelo seu contrário, sem ter qualquer mandato de maximizar o emprego constitui a mais inequívoca ilustração de que os europeus foram condenados a uma ortodoxia pela qual vão penar e bem nos próximos tempos.
A intervenção de Yellen retoma intervenções anteriores
centradas no alerta à sociedade americana de que os progressos significativos
observados na taxa de desemprego não significam necessariamente que os fatores
de depressão e sub-utilização de recursos no mercado de trabalho se tenham
dissipado. Essa preocupação resulta do facto do FED ter o mandato de maximizar
o emprego em condições de manutenção da estabilidade dos objetivos inflacionários.
Ora, o que acontece é que a Grande Recessão de 2007-2008 afetou as condições de
funcionamento do mercado de trabalho, alterando em alguns casos
significativamente a relação entre os fatores conjunturais e estruturais que
influenciam a performance daquele mercado. Para lá da taxa de desemprego, o
funcionamento do mercado de trabalho é interpretado com atenção adicionalmente
focada em variáveis como a taxa de participação da força de trabalho, a magnitude do
trabalho a tempo parcial determinada por razões económicas e não de
opção de vida e a
dinâmica das contratações e das saídas. Todas estas variáveis
experimentam a influência de fatores conjunturais gerados pela crise, embora
sejam também influenciadas por questões estruturais como o são, por exemplo, o envelhecimento da
força de trabalho, a demografia, o próprio dinamismo do mercado de trabalho e a já
aqui neste blogue repetidas vezes citada polarização do emprego que tem vindo a reduzir
substancialmente os empregos de qualificação média.
Para o duplo mandato do FED, não será indiferente a influência
relativa de fatores cíclicos e estruturais nas variáveis que integram o painel
alargado de indicadores para compreender o mercado de trabalho no pós-crise. A
economia do trabalho adquire uma visibilidade acrescida e a novidade está em
algo pouco visto até há bem pouco tempo: economistas do trabalho e das forças
estruturais que condicionam o funcionamento do mercado de trabalho e
economistas monetários encontram aqui pontes de interação e debate que só podem
enriquecer a disciplina e o ambiente do debate na academia e na profissão. Do
lado de lá do Atlântico esclareça-se.
Em resumo, o discurso de Yellen mostra um FED
particularmente atento às nuances mais profundas do mercado de trabalho
americano e dele fica a convicção de que a Governadora não embarcará numa
precipitada e artificial restrição da política de taxas de juro, até que os
fatores de depressão e de subutilização de recursos no mercado de trabalho
americano estejam esgotados pelo menos do ponto de vista da sua origem cíclica.
Se Draghi estava a contar com uma ajudinha vinda da
subida de taxas a muito curto prazo nos EUA e por aí uma desvalorização do euro
face ao dólar, pode daí, para já, tirar o cavalinho da chuva. Afinal, os EUA não
têm culpa de que os europeus tenham produzido uma arquitetura europeia baseada
numa ortodoxia monetária que fica coxa e desalinhada com o ambiente de “zero
lower bound” de taxas de juro, de tendências deflacionárias e de uma situação
que, preto no branco, Matt O’Brien, no Wonkblog do Washington Post, designa
assim: “Pior do que em 1930, a recessão europeia é
realmente uma depressão”.
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