quarta-feira, 6 de agosto de 2014

WYPLOSZ NO FIGARO



À medida que se vão conhecendo alguns desenvolvimentos do buraco fundo em que o BES-GES se dissolveu, mais se me enraiza a convicção de que a discussão em torno da solução vai de novo centrar-se numa espécie de contrafactual: as vantagens de alguém ter tido a coragem de quebrar agora uma situação fraudulenta que, a continuar a desenvolver-se, abater-se-ia provavelmente com muito maior estrondo sobre a economia portuguesa.
E também parece evidente que, por ironia do destino (mas honra aos deputados portugueses no Parlamento Europeu, com a Elisa Ferreira à cabeça, e também ao Banco de Portugal que perceberam atempadamente a relevância da União Bancária), Portugal haveria de ser cobaia de um sistema que terá de ser necessariamente reforçado com uma intervenção mais ativa do BCE.
Um olhar amigo e competente remeteu-me para um curto e incisivo artigo do economista Charles Wyplosz (co-autor de um dos mais divulgados manuais de macroeconomia com Michael Burda) no Figaro (link aqui), a quem se tem devido algumas das mais sensatas análises da crise financeira e do euro e que se envolveu mesmo numa proposta concreta de reestruturação da dívida das economias periféricas da zona euro, aliás abundantemente acolhida por João Cravinho no seu mais recente livro sobre a dívida portuguesa.
Wyplosz retoma a ideia da experimentação que a intervenção no Espírito santo representa e daí o seu interesse para o futuro concreto de aplicação da União Bancária. Ele precisa bem o alcance da nova legislação que, mais do que a escolha pela modalidade da separação entre banco bom e banco mau, estabelece taxativamente a ordem de prioridade de proteção num caso desta natureza. A sequência de prioridade é a seguinte: pequenos depositantes primeiro, grandes depositantes depois, credores seniores a seguir, credores juniores e finalmente os acionistas.
A ideia da experimentação decorre do facto de, tal como tem acontecido nos tempos mais recentes, a inércia europeia é de manual. O Fundo de Resolução está previsto ser concluído apenas entre 2016 e 2024, fixando-se espera-se no valor de 55.000 milhões de euros. Wyplosz faz contas e conclui que sendo o BES à escala europeia um banco pequeno, ter exigido cerca de 5.000 milhões para o seu resgate e futura venda potencial a privados interessados significa que o Fundo de Resolução europeu precisa de outro referencial de recursos para poder-se falar em instrumento efetivo de estabilidade financeira.
Wyplosz conclui com a observação de que o BCE terá estado presente no fim-de-semana alucinante mas evitou exposição. Uma vez mais, alguém de bom senso concluirá que a União Bancária poderá minimizar desta vez a ida aos bolsos dos contribuintes portugueses, mas que o BCE não pode continuar indefinidamente a furtar-se ao seu verdadeiro e último papel como Banco Central.
Estou em crer que o Governo não doseou corretamente o seu discurso quanto ao risco da solução ir aos bolsos dos contribuintes (e essa má avaliação dará origem a uma chicana política de grande expressão), mas também começo a concluir que mesmo sob o risco da experimentação uma intervenção mais tardia traria à economia portuguesa danos incomensuravelmente mais elevados.
Mas para que a perceção por parte do povo eleitor e utilizador do sistema bancário não se vire contra os que aguentaram o ónus da decisão é fundamental que a justiça cumpra o seu papel e identifique com rigor o processo fraudulento que está na origem de todos os desequilíbrios e que o próprio regulador desenvolva a ideia desenvolvida na sua comunicação ao país de que estamos perante processos que podem desenvolver-se através de sistemas de difícil acesso regulatório.
Da nova legislação, resultará provavelmente que o capitalismo popular através da banca, adquirindo ações da mesma, irá transformar-se numa relíquia do passado.

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