À medida que se vão conhecendo alguns
desenvolvimentos do buraco fundo em que o BES-GES se dissolveu, mais se me
enraiza a convicção de que a discussão em torno da solução vai de novo
centrar-se numa espécie de contrafactual: as vantagens de alguém ter tido a
coragem de quebrar agora uma situação fraudulenta que, a continuar a
desenvolver-se, abater-se-ia provavelmente com muito maior estrondo sobre a
economia portuguesa.
E também parece evidente que, por ironia do
destino (mas honra aos deputados portugueses no Parlamento Europeu, com a Elisa
Ferreira à cabeça, e também ao Banco de Portugal que perceberam atempadamente a
relevância da União Bancária), Portugal haveria de ser cobaia de um sistema que
terá de ser necessariamente reforçado com uma intervenção mais ativa do BCE.
Um olhar amigo e competente remeteu-me para um
curto e incisivo artigo do economista Charles Wyplosz (co-autor de um dos mais
divulgados manuais de macroeconomia com Michael Burda) no Figaro (link aqui), a
quem se tem devido algumas das mais sensatas análises da crise financeira e do
euro e que se envolveu mesmo numa proposta concreta de reestruturação da dívida
das economias periféricas da zona euro, aliás abundantemente acolhida por João
Cravinho no seu mais recente livro sobre a dívida portuguesa.
Wyplosz retoma a ideia da experimentação que a
intervenção no Espírito santo representa e daí o seu interesse para o futuro concreto
de aplicação da União Bancária. Ele precisa bem o alcance da nova legislação
que, mais do que a escolha pela modalidade da separação entre banco bom e banco
mau, estabelece taxativamente a ordem de prioridade de proteção num caso desta
natureza. A sequência de prioridade é a seguinte: pequenos depositantes
primeiro, grandes depositantes depois, credores seniores a seguir, credores
juniores e finalmente os acionistas.
A ideia da experimentação decorre do facto de,
tal como tem acontecido nos tempos mais recentes, a inércia europeia é de
manual. O Fundo de Resolução está previsto ser concluído apenas entre 2016 e
2024, fixando-se espera-se no valor de 55.000 milhões de euros. Wyplosz faz
contas e conclui que sendo o BES à escala europeia um banco pequeno, ter
exigido cerca de 5.000 milhões para o seu resgate e futura venda potencial a
privados interessados significa que o Fundo de Resolução europeu precisa de
outro referencial de recursos para poder-se falar em instrumento efetivo de
estabilidade financeira.
Wyplosz conclui com a observação de que o BCE terá
estado presente no fim-de-semana alucinante mas evitou exposição. Uma vez mais,
alguém de bom senso concluirá que a União Bancária poderá minimizar desta vez a
ida aos bolsos dos contribuintes portugueses, mas que o BCE não pode continuar
indefinidamente a furtar-se ao seu verdadeiro e último papel como Banco
Central.
Estou em crer que o Governo não doseou corretamente
o seu discurso quanto ao risco da solução ir aos bolsos dos contribuintes (e
essa má avaliação dará origem a uma chicana política de grande expressão), mas
também começo a concluir que mesmo sob o risco da experimentação uma intervenção
mais tardia traria à economia portuguesa danos incomensuravelmente mais
elevados.
Mas para que a perceção por parte do povo eleitor
e utilizador do sistema bancário não se vire contra os que aguentaram o ónus da
decisão é fundamental que a justiça cumpra o seu papel e identifique com rigor
o processo fraudulento que está na origem de todos os desequilíbrios e que o próprio
regulador desenvolva a ideia desenvolvida na sua comunicação ao país de que
estamos perante processos que podem desenvolver-se através de sistemas de difícil
acesso regulatório.
Da nova legislação, resultará provavelmente que
o capitalismo popular através da banca, adquirindo ações da mesma, irá
transformar-se numa relíquia do passado.
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