domingo, 24 de agosto de 2014

DRAGHI EM JACKSON HOLE



Depois de uma tão aguardada intervenção de Janet Yellen no Simpósio do banqueiros centrais em Jackson Hole e da bem informada aula sobre as relações entre a política monetária e o funcionamento do mercado de trabalho e a sua monitorização proferida pela presidente do FED, havia alguma expectativa quanto ao registo que Draghi iria adotar para o seu discurso. A curiosidade estava nas diferenças de intervenção que resultam naturalmente do diferente mandato que o FED e o BCE apresentam estatutariamente, duplo o do primeiro e limitado à estabilidade dos preços no segundo.
É importante registar que o tema económico central discutido no Simpósio de Jackson Hole é o das alterações observadas nos mercados de trabalho das principais economias de mercado após a Grande Recessão de 2007-2008. Importantes contributos foram apresentados neste simpósio e em posts posteriores darei conta sobretudo de um artigo de David Autor, um dos pais da teoria da polarização dos empregos que desenvolve aprofundadamente a influência que a revolução informática está a exercer na destruição dos chamados “medium-skilled jobs”.
Pois neste contexto Draghi não poderia deixar de se situar no enorme desaproveitamento de recursos que o desemprego europeu representa, procurando anotar a importância relativa da componente cíclica desse desemprego e o crescimento da sua componente estrutural.
Lida com atenção, a intervenção de Draghi é uma oportunidade para identificar as dificuldades observadas no combate ao desemprego europeu, não só devidas às especificidades do inacabado edifício europeu (que se percebem nas entrelinhas do texto de Draghi), mas também à errada perceção de que a confiança dos mercados se restabeleceria com a via punitiva de abordagem ao problema da dívida pública.
Embora referindo a forte heterogeneidade dos mercados de trabalho na zona euro e lamentando-se da ausência de harmonia fiscal entre os seus países membros. Draghi não podia deixar de referir-se ao que, em seu entender, deve ser feito para combater o ainda elevado desemprego na zona euro. Face à ingrata situação em que o edifício se encontra, Draghi dá uma no cravo e outra na ferradura para escapar ileso do confronto com outros governadores dotados de mandatos mais abrangentes. E, nesse tom, reconhece que as políticas do lado da procura são ainda necessárias, dada a ainda relevante componente cíclica do desemprego. O que é surpreendente é o reconhecimento por parte de Draghi que a atuação do lado da procura é também necessária porque os riscos de “hysteresis” são muito acentuados, ou seja, não atuar do lado da procura pode contribuir para que a componente do desemprego cíclico se transforme em estrutural, reduzindo substancialmente o produto potencial da economia. O que me parece relevante é o facto de Draghi ter aderido à tese de que em matéria de procura global é preferível fazer demais do que demasiado pouco, tese que Yellen já defendera em alocuções anteriores. Como seria de esperar, Draghi vende depois a necessidade da atuação sobre a procura exigir intervenção paralela do lado da oferta e por aí chega às suas tão estimadas reformas estruturais, lidas na perspetiva de reformas amigáveis do crescimento económico, designadamente as políticas de fiscalidade. E por aí chega às inevitáveis reformas de flexibilização do mercado de trabalho. Mas aqui Draghi continua a ignorar que nos países em que se avançou mais eficazmente na flexibilização do mercado de trabalho são países em que a segurança no desemprego não sofreu os ataques ferozes que nas economias do sul essas ajudas experimentaram. A flexisegurança não pode ser apenas um slogan comunitário.
Mas a frente em que a intervenção de Draghi é menos eloquente é a que resulta das suas considerações sobre a atuação sobre a procura global. Do ponto de vista fiscal, a necessidade de coordenar as políticas orçamentais dos estados-membros é totalmente escamoteada. O absurdo está instalado. Reconhece-se essa necessidade, mas simultaneamente não se concede aos países mais endividados a minha margem de flexibilização. E, simultaneamente, não há uma palavra de exigência para os países do norte menos endividados e podendo-o fazer a taxas de juro muito mais baixas, que deveriam estar a gerir a procura global para compensar o aperto fiscal dos mais endividados. Draghi refugia-se assim nas operações monetárias por si lançadas para relançar, em última instância. Aposta assim os seus trunfos na futura operação de setembro próximo (Targeted Long-Term Refinancing Operation) e as suas compras de ativos para conseguir que os bancos intensifiquem as suas operações de crédito à economia e gerar liquidez. Mais do mesmo embora agora numa escala mais alargada. Ou muito me engano ou de novo seremos confrontados com a incapacidade da política monetária do BCE estimular significativamente a procura global.

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