Depois de uma tão aguardada intervenção de Janet
Yellen no Simpósio do banqueiros centrais em Jackson Hole e da bem informada
aula sobre as relações entre a política monetária e o funcionamento do mercado
de trabalho e a sua monitorização proferida pela presidente do FED, havia
alguma expectativa quanto ao registo que Draghi iria adotar para o seu
discurso. A curiosidade estava nas diferenças de intervenção que resultam
naturalmente do diferente mandato que o FED e o BCE apresentam
estatutariamente, duplo o do primeiro e limitado à estabilidade dos preços no
segundo.
É importante registar que o tema económico
central discutido no Simpósio de Jackson Hole é o das alterações observadas nos
mercados de trabalho das principais economias de mercado após a Grande Recessão
de 2007-2008. Importantes contributos foram apresentados neste simpósio e em
posts posteriores darei conta sobretudo de um artigo de David Autor, um dos
pais da teoria da polarização dos empregos que desenvolve aprofundadamente a
influência que a revolução informática está a exercer na destruição dos
chamados “medium-skilled jobs”.
Pois neste contexto Draghi não poderia deixar de
se situar no enorme desaproveitamento de recursos que o desemprego europeu
representa, procurando anotar a importância relativa da componente cíclica
desse desemprego e o crescimento da sua componente estrutural.
Lida com atenção, a intervenção de Draghi é uma
oportunidade para identificar as dificuldades observadas no combate ao
desemprego europeu, não só devidas às especificidades do inacabado edifício
europeu (que se percebem nas entrelinhas do texto de Draghi), mas também à
errada perceção de que a confiança dos mercados se restabeleceria com a via
punitiva de abordagem ao problema da dívida pública.
Embora referindo a forte heterogeneidade dos
mercados de trabalho na zona euro e lamentando-se da ausência de harmonia
fiscal entre os seus países membros. Draghi não podia deixar de referir-se ao
que, em seu entender, deve ser feito para combater o ainda elevado desemprego
na zona euro. Face à ingrata situação em que o edifício se encontra, Draghi dá
uma no cravo e outra na ferradura para escapar ileso do confronto com outros
governadores dotados de mandatos mais abrangentes. E, nesse tom, reconhece que
as políticas do lado da procura são ainda necessárias, dada a ainda relevante componente
cíclica do desemprego. O que é surpreendente é o reconhecimento por parte de
Draghi que a atuação do lado da procura é também necessária porque os riscos de
“hysteresis” são muito acentuados, ou
seja, não atuar do lado da procura pode contribuir para que a componente do
desemprego cíclico se transforme em estrutural, reduzindo substancialmente o
produto potencial da economia. O que me parece relevante é o facto de Draghi
ter aderido à tese de que em matéria de procura global é preferível fazer demais
do que demasiado pouco, tese que Yellen já defendera em alocuções anteriores. Como
seria de esperar, Draghi vende depois a necessidade da atuação sobre a procura
exigir intervenção paralela do lado da oferta e por aí chega às suas tão estimadas
reformas estruturais, lidas na perspetiva de reformas amigáveis do crescimento económico,
designadamente as políticas de fiscalidade. E por aí chega às inevitáveis
reformas de flexibilização do mercado de trabalho. Mas aqui Draghi continua a ignorar
que nos países em que se avançou mais eficazmente na flexibilização do mercado
de trabalho são países em que a segurança no desemprego não sofreu os ataques
ferozes que nas economias do sul essas ajudas experimentaram. A flexisegurança
não pode ser apenas um slogan comunitário.
Mas a frente em que a intervenção de Draghi é
menos eloquente é a que resulta das suas considerações sobre a atuação sobre a procura
global. Do ponto de vista fiscal, a necessidade de coordenar as políticas
orçamentais dos estados-membros é totalmente escamoteada. O absurdo está
instalado. Reconhece-se essa necessidade, mas simultaneamente não se concede
aos países mais endividados a minha margem de flexibilização. E,
simultaneamente, não há uma palavra de exigência para os países do norte menos
endividados e podendo-o fazer a taxas de juro muito mais baixas, que deveriam
estar a gerir a procura global para compensar o aperto fiscal dos mais
endividados. Draghi refugia-se assim nas operações monetárias por si lançadas
para relançar, em última instância. Aposta assim os seus trunfos na futura
operação de setembro próximo (Targeted
Long-Term Refinancing Operation) e as suas compras de ativos para conseguir
que os bancos intensifiquem as suas operações de crédito à economia e gerar
liquidez. Mais do mesmo embora agora numa escala mais alargada. Ou muito me
engano ou de novo seremos confrontados com a incapacidade da política monetária
do BCE estimular significativamente a procura global.
Sem comentários:
Enviar um comentário