terça-feira, 23 de junho de 2020

O MEU RICO S. JOÃO



Sou um tripeiro puro e duro, por nascimento, ascendência e assimilação cultural. Nada de novo existirá nesta não revelação, apenas aqui recuperada a pretexto do dia da cidade e do seu padroeiro João num ano tornado absolutamente excecional por razões pandémicas. Faltarei como todos os meus concidadãos à hipótese não concretizável de uma noite mágica, o que só me aconteceu uma ou duas vezes na vida e por inescapável ausência parisiense. Lembro as saídas com pais e avós, Cedofeita fora, Clérigos abaixo, enfrentando um mar de gente nunca visto a evoluir do alho porro para os martelinhos. Lembro as saídas mais coloridas, entre fogueiras e longas passeatas com dominância de companhia feminina a desaguar na praia já de manhã. Lembro os matrecos da Rotunda ou das Fontainhas, as sardinhas no Palácio, passagens diversas pela Ribeira, fugas gaienses, momentos românticos nas Virtudes ou em outros locais de inspiradora vista. Lembro os manjericos da Praça da República, jantares em barcos no meio do rio ou no restaurante do Rui Veloso, fogos de artifício cada ano mais sofisticados, companhias de todo o tipo, entre lisboetas e não nacionais, bailaricos em Miragaia, concertos nos Aliados. E tantas coisas mais, muitas indescritíveis e muitas outras inconfessáveis.

Resumindo, a noite de S. João é um marco inapagável no imaginário de qualquer portuense que se preza e nunca poderá deixar de assim ser. Mas sabemos que 2020 será momentaneamente diferente porque tristemente de trazer por casa (talvez recordando em diferido aquela mal perdida meia-final do Europeu 1984 entre Portugal e a França ou a ver em direto um vazio de público dérbi futebolístico entre o FC Porto e o Boavista, este a desenrolar-se expectavelmente com a minha equipa a cumprir mínimos de que tem andado arredada de modo indesculpável e bem demonstrativo da incompetência de quem a dirige). Que esta seja uma interrupção a não repetir e a ficar assinalada como a estranha exceção que confirma a regra de sempre – embora, nesta precisa hora, o melhor que nos reste seja a formulação do desejo de que tal venha a ser o caso...

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