sexta-feira, 5 de junho de 2020

ANTÓNIO COSTA SILVA ACONSELHA ANTÓNIO COSTA


(excerto de Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

Abstraindo das tralhas pandémicas e seus derivados, a semana política foi dominada pela manchete do último “Expresso” (um grande furo para um título miserável!). Soube-se por ela que o gestor da Partex, António Costa Silva (ACS), tinha sido convidado pelo primeiro-ministro para ser seu consultor em matéria de preparação do plano de retoma da economia portuguesa. Não farei aqui, por razões óbvias, considerações opinativas ou normativas sobre o assunto, tal como deixarei de lado questões colaterais de gestão comunicacional e de desqualificação política. Limito-me a três ou quatro apontamentos objetivos, centrados no que ouvi da boca do próprio em entrevistas que tem vindo a conceder imparavelmente.

Na entrevista à TSF, por exemplo, ACS mostrou-se impressionantemente conhecedor, quase enciclopédico até, mas também senhor de um posicionamento a situar algures entre o idealista e o poético. Na imensa diferença, sobretudo em termos de atitude – porque ele não parece ser tímido nem modesto e fala engatando sem respirar umas coisas nas outras –, tem coisas que me fizeram lembrar o meu amigo José Manuel Félix Ribeiro. Desabafo impróprio à parte, dou de seguida um de muitos exemplos possíveis, citando: “Nós somos um país duplamente confinado na Europa. Somos confinados por Espanha e, depois, a própria Península Ibérica é confinada pela Europa. E se se olhar para a história do nosso país, nós temos ciclos. Tentamos explorar a dimensão continental, sempre confinados pelo nosso grande vizinho, e quando isso não dava explorávamos a dimensão marítima. E, portanto, o que aconteceu na história deste país é que nunca exploramos as duas dimensões ao mesmo tempo e é o que eu proponho neste plano.”

Mas há mais para ilustrar semelhanças e diferenças. Perguntado pelo ótimo entrevistador que é Ricardo Alexandre sobre quem é que vai puxar pela economia mundial, ACS responde: “A Europa e as democracias que a Europa convocar era a minha proposta, sei que é uma proposta heterodoxa”; mas é por aí que vai em contraponto a uma “deriva sino-americana”. Ou, mudando de registo, veja-se como ACS se apresenta e justifica: “Eu tenho atrás de mim toda uma atuação de décadas, de intervenções em seminários, em conferências, de pensamento sobre as diferentes áreas do País, desde as infraestruturas portuárias ao cluster do mar, desde a transição energética à mobilidade nas cidades, à alteração do paradigma da matriz energética, ao funcionamento da economia portuguesa. Sempre me coloquei a questão: porque é que o nosso País tem todas as condições para se superar e é ainda um dos piores na Europa em termos do desenvolvimento económico, é um dos mais desiguais da Europa e tem ainda uma massa impressionante da população que vive com muitas dificuldades? E porque é que isto acontece no século XXI? Eu acho que esta é a altura de identificar esses problemas e de transformar realmente a economia do País, não é só para a nossa geração, é para os nossos filhos, para os nossos netos, para os jovens, para abrir perspetivas para o futuro e dar esperança.” Fica assim claro o meu impressionismo, por uma banda e por outra?

Um outro aspeto que é esclarecedor, ainda que a amostra seja necessariamente pouco representativa, são os livros que nos inspiram. ACS falou de dois, cujas capas abaixo reproduzo. Do primeiro retirou, disse, três fatores críticos: a qualidade das instituições [cuidado, caro Professor, quanto à sua crença nestas, no que a Portugal diz respeito!], a inteligência nas políticas públicas (sobretudo a política económica) e a capacidade de criarmos mercados inclusivos (isto é, que atraiam um maior número de pessoas para a atividade económica e fazer a economia funcionar para todos e não só para alguns). Quanto ao segundo, dele reteve a dita “grande transformação” apontada pelo economista austríaco como tendo sido o aparecimento do mercado no século XIX – e aqui foi claríssimo ao sublinhar que “os mercados autorregulados não funcionam necessariamente para o bem público”, definindo-se simultaneamente como um “grande defensor dos mercados” (“penso que os mercados são máquinas fantásticas de inovação, de competição e de criação de novas ideias”) e como um seu crítico construtivo (“isto [o lado positivo dos mercados] tem de ser combinado com o Estado regulador e, nesta fase em que as empresas estão descapitalizadas, interventor no sentido de capitalizar as empresas”, estendendo-se depois por uma defesa pouco realista e consistente do desenvolvimento do nosso mercado de capitais).



Os comentários que se desmultiplicaram a propósito de ACS foram essencialmente elogiosos (embora q.b. na maioria dos casos), distanciados por manifesto desconhecimento da pessoa e do pensamento e atrapalhados por aflitiva inconsequência analítica. De todos, considero que o mais preciso e conciso terá sido o de José Pacheco Pereira na “Circulatura”. Falou ele de uma “discussão artificial”; sublinhou ele que “a prática de convidar pessoas para este tipo de aconselhamento é comum em todas as democracias”; apontou ele como erro neste registo o do governo de Passos (por ter atribuído poderes executivos ou próximos a tais personagens); adiantou ele que se trata, em certo sentido, de uma expressão de fraqueza do Governo (embora menos grave do que a prática de outsourcing para fora da Administração); concluiu ele, curto e grosso, que “ele fala com enorme entusiasmo e vai ter uma enorme desilusão”.

Aqui chegado, e para encerrar um post que já vai longo, deixo abaixo uma indicação comparativamente útil – ou não? – quanto ao modo como o presidente francês lidou com um problema do mesmo tipo do que se colocou ao nosso primeiro-ministro (penser l’après). Embora no caso a ambição seja definida de forma mais vasta, até por se tratar de uma potência europeia como é a França. A recém-criada “Commission d’Experts sur les Grands Défis Économiques” é constituída por 26 economistas académicos, terá por relatores dois franceses (o Nobel Jean Tirole e o ex-economista-chefe do FMI Olivier Blanchard) e organizar-se-á em torno de três grandes temas (o clima, com pivotagem de Mar Reguant e Christian Gollier; as desigualdades, com pivotagem de Stefanie Stantcheva e Dani Rodrik; a demografia, com pivotagem de Axel Borsch-Supan, Claudia Diehl e Carol Propper). Integram ainda a dita Comissão as seguintes personalidades: Philippe Aghion, Richard Blundell, Laurence Boone, Valentina Bosetti, Daniel Cohen, Peter Diamond, Emmanuel Farhi, Nicoa Fuchs-Schundeln, Michael Greenstone, Hillary Hoynes, Paul Krugman, Thomas Philippon, Jean Pisany-Ferry, Adam Posen, Nick Stern, Lawrence Summers e Laura Tyson. Nem que fosse só enquanto mosca, como eu gostava de assistir a uma reunião deste grupo, que obviamente não terá muitas em toda a sua extensão!

Sem comentários:

Enviar um comentário