(Costuma dizer-se que quanto mais apreciamos alguém mais
irritados ficamos com as suas derivas. Gosto muito do que, regra geral a Clara
Ferreira Alves escreve, sobretudo pelo estilo de desassombro, mas começa-me a
irritar profundamente o seu “detachment” face ao país, traída por uma perceção
distorcida da chamada elite lisboeta. Uma reportagem de
guerra recomenda-se.)
No último Eixo do Mal, a felicidade incontida como Clara Ferreira Alves saudou
os 70 anos de Jorge Palma, fazendo eco do seu privilégio de viver perto ou no
mesmo prédio do nosso poeta cantor mais conhecido, deu bem conta do que
significa a felicidade de viver no coração da corte.
A crónica Pluma Caprichosa de hoje revela a perturbação de uma elite que
alimenta uma perceção do país através dos respetivos umbigos, muito incomodada
com a maneira como esse país vai resistindo, aqui e ali com uma contradição, mas
seguindo um padrão de desconfinamento que, nos seus contornos principais, vai
seguindo as práticas europeias, com bom senso e gestão prudencial. Claro que a
pressão da reabertura e da retoma económica se faz sentir mas quem é que
imagina ser possível contornar a perda de 25% do PIB que Mário Centeno revelou
esta semana na passagem de março para abril sem reconhecer a existência dessas
pressões?
O estilo de escrita de CFA ganha embalagem e a partir de certo momento
arrasta tudo com as suas perceções, construindo uma narrativa da realidade à
medida dessas perceções. Um exemplo eloquente dessa torrente criativa é a sua
descabelada referência aos Fundos Estruturais em Portugal, falando de uma
matéria que decididamente não conhece, recorrendo a uma narrativa que um
tresloucado populismo não desdenharia utilizar. Sim, mas como pertenço orgulhosamente
a uma elite da capital tudo o que escrevo não é populista. Mas, cara Clara, o
saco em que mete a aplicação dos Fundos Estruturais em Portugal é do mais
apurado populismo, pois assenta na santa ignorância de uma elite que não mexe
uma palha para compreender as grandes realizações que tem sido possível atingir
com a ajuda dos Fundos Estruturais, seja na área das políticas de inovação, na
área social e do insucesso escolar e do ensino profissional, por exemplo.
O discurso catastrofista desta elite regozija com a perspetiva de tudo ficar
na mesma após a passagem da pandemia, se ela passar. Mas também aqui experimentará
provavelmente alguns dissabores, porque alguma coisa vai mudar, simplesmente
porque a procura não se apresentará nos mesmos moldes.
O nosso drama como país é que esta elite deixou de ter algum poder de comando
e na prática no resto do país ninguém lhe dedica um momento de atenção sequer.
No fundo, bem lá no fundo, só gente como eu, com algum respeito pelo pensamento
dos outros ousa continuar a dedicar-lhe alguma atenção. Mas este populismo
elitista é tão gravoso como o populismo boçal. Afinal reproduzem-se em
narrativas da realidade à justa medida das suas distorcidas e mal informadas perceções.
Nada mais do que isso e tudo cansa minha gente.
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