terça-feira, 23 de junho de 2020

O CULTO DA IGNORÂNCIA CRIMINOSA



(A vastíssima dimensão do território americano tem disfarçado a autêntica tragédia de incidência da pandemia nos EUA e a situação chegou a um ponto impensável para um sensato cidadão de qualquer país, credo ou religião. O simples uso de uma máscara de proteção tornou-se um fator de clivagem política, com os Democratas dominantemente a usá-la e os Republicanos reféns de Trump a evitá-la em grande medida, como o podemos ver no mais recente comício em Tulsa. Quando o culto da ignorância se transforma em arma política de arremesso, estamos conversados e compreendemos quão baixo pode descer o populismo mais reles. Saúdo com esta reflexão o regresso de Krugman como inspiração destas crónicas.)

Os representantes mais convictos do populismo reles de última geração, Trump e Bolsonaro, atiraram os respetivos países para uma tragédia de grandes proporções que a sua vasta dimensão disfarçou, em parte, mas que, por outro lado, cria condições para uma difusão pandémica mais prolongada, como está agora a ser comprovado.

Com tanta incerteza a enquadrar a proteção face à pandemia, a distância física (e não distância social como o Professor Michael Osterholm da Universidade de Minnesota em entrevista ao Blue Zones brilhantemente o caracterizou, link aqui) e o uso de máscaras constituem praticamente as únicas defesas de proteção. Ora, Trump e Bolsonaro têm feito tudo para torpedear essas proteções seguras, promovendo toda a série de iniciativas que comprometem a manutenção de distância física entre pessoas e criando voluntariamente todas as formas de vulgarização do não uso de máscara. Estou a ficar cada mais pérfido nas minhas interpretações e creio que, no caso de Bolsonaro, ele encontrou uma via “eficaz” de afastamento do seu caminho de um grande conjunto de pessoas que ainda respira pela inspiração de Lula. Afinal será dominantemente entre os mais fracos e mais pobres que a devastação brasileira vai ter maior incidência e sempre que vejo as manifestações de apoiantes de Bolsonaro mais me convenço desta segmentação.

Mas o que une mais Trump e Bolsonaro é o culto da ignorância, agora transformada em jogos individuais de roleta russa, em voos individuais Kamikase, que podem virar de repente suicídios coletivos. Mais do que simples desinformação ou manipulação, o que temos é o culto da ignorância transformado em orgulho e em arma de arremesso político.

Paul Krugman (link aqui) que regressa a este blogue como fonte de inspiração de uma crónica pormenoriza esta nova forma de utilização do culto da ignorância, salientando que o simples uso de uma máscara se transformou em fonte de divisão política, com os Democratas dominantemente a respeitar o seu uso e os Republicanos a borrifarem-se em grande medida para a medida. Aonde chegamos Deus meu.

Nota final sobre como vamos por cá penando:

Os pontos mais frágeis da sociedade portuguesa vão sendo um a um revelados pela continuidade pandémica: (i) precariedade das relações de trabalho, baixos salários consequentes problemas de solvência para uma habitação digna; (ii) défice crónico de instituições para os mais velhos e uma massa importante de instituições informais que só existem com a complacência de quem compreende que a procura excede irremediavelmente a oferta; (iii) irresponsabilidade juvenil que vai assumindo com dez ou vinte anos de atraso ondas de comportamento que nos chegam da Europa; (iv) concentrações logísticas privadas de grande porte que se combinam com a precariedade, a habitação não decente e a concentração de procura de transporte público; (v) inconsistências comunicacionais dos nossos muitos papagaios que transformam a metáfora da picareta falante em modelo ultrapassado. E alguém tem dúvidas de que neste contexto de fragilidade o pleno funcionamento das Escolas é uma bomba de deflagração lenta?

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