(Duas notícias aparentemente desconexas entre si servem-me
de matéria-prima numa noite de expectativa por rever os meus netos de Lisboa
que quase quatro meses depois vêm ao Porto, compensando tantos momentos de
proximidade digital, com a presença física que para nós é tão vital. Transportes públicos e uso racional da água na agricultura são os temas.)
A descarbonização das grandes cidades é um tema fundamental da transição
para um outro paradigma energético em Portugal e no mundo. Trata-se de um desafio
bem anterior à pandemia e todos tragicamente sabemos que despovoar as Cidades e
transformá-las num vazio de movimento não é a solução que pretendemos. A
pandemia colocou-nos perante um “Ó tempo volta para trás” impossível e não é
por aí que queremos caminhar.
Várias formas de mobilidade urbana sustentável têm sido ensaiadas e todas
merecem um quinhão de oportunidades. Os veículos elétricos urbanos de pequeno
porte, a multiplicação do uso da bicicleta, as ecovias urbanas, a diminuição do
casa-emprego para tornar possível a saudável via do andar a pé, o sequestro de
carbono com grandes áreas verdes urbanas são exemplos dessas vias anunciadoras
de futuro. Todas estas nesgas devem ser aproveitadas e quanto mais seguidores
elas tiverem melhor. Mas temos de convir que existe um outro desafio que ou se
ganha ou se perde e se perdermos a contenda isso traz irremediáveis efeitos de
inércia. Estou a referir-me à batalha do transporte público de alta capacidade fundamental
para baixar decisivamente os níveis de motorização automóvel nas Cidades. Assim,
ainda que na sua origem estivessem objetivos de caráter social, a diminuição de
preço dos passes sociais acabou por ter, antes da pandemia, um efeito ambiental
de grandes proporções, trazendo para o transporte público mais utentes e isso é
crucial para evitar as espirais de degradação da qualidade do serviço público.
Integremos agora os efeitos da pandemia neste tema. Com oferta mais
reduzida, os transportes públicos transformam-se pelas condições de
sobreocupação que todos os dias a comunicação social nos recorda que existem
num fator de desigualdade cruel. Por outras palavras, a pandemia obriga as
famílias que não podem regressar à viatura própria a condições óbvias de uma
maior probabilidade de contágio. E afasta naturalmente desse transporte público
uma procura adicional que poderia manifestar-se e que busca na segurança da
viatura própria a alternativa mais compatível com a sua proteção face ao vírus.
Ora aqui temos um domínio em que a pandemia não abre caminho fácil aos
desígnios do Pacto Ecológico, mais propriamente na sua dimensão de descarbonização
das grandes cidades. Antes pelo contrário tende a penalizar esses caminhos e a
adiar de novo o reconhecimento mais generalizado do valor social do transporte
público.
A outra notícia dá conta dos resultados de um estudo promovido pela
Fundação Calouste Gulbenkian sobre o uso (ir)racional da água em Portugal, com
foco no seu uso pela agricultura, que o jornal Público documenta (link aqui). Os
resultados do inquérito realizado junto de agricultores são o que esperaríamos.
A esmagadora maioria dos agricultores não tem uma perceção objetiva da água que
consome, a perceção de que se trata de um recurso barato está generalizada e
71% dos inquiridos não tem sequer um contador ou outra qualquer forma de
registo do consumo.
Nos meus trabalhos profissionais na região Centro, dizia-me alguém da CCDR
Centro que são inúmeros os territórios da região em stresse hídrico fortíssimo.
E não posso deixar de pensar que a visão que ainda predomina em Portugal sobre
a mitigação das alterações climáticas é muito idílica e bondosa. Pouca gente já
se apercebeu que a alteração dos modos de produção e das culturas agrícolas vai
ser tremendo. Essa mesma personalidade falava-me em simultâneo de um grande
investimento de origem turca para a produção de amêndoa no Tejo interior, anunciando
que o cálculo económico estará porventura mais atento às grandes alterações do
que a generalidade dos portugueses incluindo as gentes da agricultura. A
prioridade do uso racional da água a todos os níveis e uma política em conformidade
de incentivos-preço a esse uso racional parecem constituir uma prioridade
vital. Neste caso, com ou sem pandemia conviria não andarmos distraídos.
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